Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ritmos sensuais censurados em Cuba

Raúl Castro, irmão e sucessor de Fidel em Cuba, decidiu censurar em dezembro de 2012 os ritmos de conteúdo sexual mais explícito em rádio e televisão, como o reggaeton, que mistura o reggae jamaicano com hip-hop e outros ritmos de origem caribenha e latino-americana. Outros cadências, “batidas” e gêneros considerados vulgares, agressivos ou de forte carga sexual também estão proibidos. Eles não poderão mais ser executados no rádio ou TV em local público. Um retrocesso no momento em que o regime tenta abrir-se sem abandonar suas conquistas sociais. Quem publicou a notícia foi o blog do monitor da censura na Inglaterra, a revista trimestral Index on Censorship, em sua última postagem do ano passado (21/12/2012).

Castro passou legislação que permite a execução desses ritmos apenas em ambiente privado. Qualquer transmissão pública acarretará punições e multas para ouvintes e transmissoras de rádio e TV. O blog também informou que o chefe do Instituto Cubano de Música, Orlando Vistel Columbié, declarou que esses ritmos violam a “inerente sensualidade” da mulher cubana. O argumento de Columbié é extremamente preconceituoso e as origens de suas ideias remontam aos mitos que vieram junto com a colonização nas Américas e outras partes do mundo. A central progressista de blogs Globalvoices, edição portuguesa, publicou (18/12 2012) argumentos mais realistas da brasileira Mariana Salister sobre a sexualidade da mulher das colônias:

“O estigma da hipersexualidade remonta aos imaginários coloniais que construíam as mulheres das colônias como objetos sexuais, escravas sexuais, e marcadas por uma sexualidade exótica e bizarra. Cita-se, por exemplo, a triste experiência da sul-africana Saartjie Baartman, exposta na Europa, no século 19, como símbolo de uma sexualidade anormal.”

Negras, mestiças e índias

É uma grande ironia que um oficial do governo cubano, educado em doutrina que sempre tentou afirmar-se como libertária e anticolonialista agora apoie suas argumentações intolerantes em ideias e práticas da colonização europeia, que reduziram nossas mulheres a meros animais sexuais.

No Brasil, o mito da sensualidade tropical nasceu a partir dos trabalhos do sociólogo Oliveira Vianna, que acreditava em sandices como a “arianização nacional”, necessária graças à excessiva miscigenação dos portugueses com negras ou índias em tempos coloniais. Sua obra acabou por influenciar os trabalhos de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. O argumento é de uma pesquisa de 1986, feita por Ângela Mendes de Almeida (“Sexualidade e casamento na colonização portuguesa no Brasil“, Análise Social, vol. XXII, 1986, Lisboa). Ângela foi a companheira do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto em tortura no DOI-Codi em 1971, e hoje é pesquisadora do Observatório das Violências Policiais.

Segundo a autora, as duas abordagens apoiam-se num erro essencial: o colono português foi descrito de forma idealizada e a família do latifundiário local foi apontada como a matriz da sociedade brasileira. O homem português foi generosamente descrito como o único maleável, ausente de “orgulho de raça” e dotado de uma mítica “flexibilidade em relação às regras morais e religiosas ligadas ao matrimônio e à sexualidade, como sobretudo a sua tendência a permitir, incentivar e quase tornar regra a miscigenação racial com índios e negros africanos”.

Na nossa sociedade patriarcal escravocrata, o casamento funcionava principalmente para reprodução e transmissão das propriedades e o sexo “realizava-se por excelência fora dele”, explica Ângela. Negras, mestiças e índias eram meros objetos, propriedade do senhor de terras.

Amantes automáticas

As mulheres brancas na colônia foram afastadas de seus papéis tradicionais na tradição europeia na criação dos filhos e na sexualidade doméstica, sendo substituídas por suas subordinadas:

“Dizia-se mesmo que as portuguesas das primeiras gerações não sabiam criar os filhos, pois estavam pouco habituadas ao clima tropical, conservavam usos inadequados e às vezes fatais à saúde infantil. A alta taxa de mortalidade infantil foi em certos casos atribuída a esta falta de ciência da puericultura, até prevalecerem os costumes indígenas e africanos. Até por isso, a mãe negra era a mais adequada. Todo esse conjunto de usos e legendas fizeram dela uma instituição que perdurou até algumas décadas atrás.”

O macho colonial comportava-se como um polígamo de outras partes do mundo. O sexo como fonte de prazer era realizado fora do ambiente doméstico. O tempo passou, mas nenhuma mudança significativa aconteceu. A mulher branca livre também passou a fazer parte de um sistema de dominação dos machos locais – com muito mais mordomias e mimos enganadores: foi obrigada a aceitar os caprichos e desejos dos seus “donos” como suas antigas servas. E o sexo fora do casamento continuou como norma oculta nas uniões oficiais depois do período colonial.

O erro propagou-se através do tempo, e hoje a mulher brasileira, principalmente, e as latino-americanas continuam a ser vistas como máquinas sexuais. Amantes automáticas. Por isso, não é de se estranhar que prevaleça na mídia e nas mentes internacionais a imagem da mulher brasileira como promíscua, sempre disposta a agradar os homens e obrigada aceitar abusos sustentados por visões equivocadas da História

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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]