Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Guia de Apoio aos Anônimos

O filósofo contemporâneo (e deputado federal, nas horas vagas) Paulo Maluf é um grande criador de frases. Muitas delas são atribuídas a ele, talvez pela relação com a prática política. Outras são rejeitadas por este senhor octogenário, mesmo diante de uma gravação da própria voz.

Uma das sentenças mais famosas – e folclóricas – atribuídas a ele, e que ele também atribui a si, é “Falem mal mas falem de mim”, muito embora a autoria não seja dele; é, no mínimo, de Mário Pinto e Ataulfo Alves, autores de “Falem mal mas falem de mim”, a canção que fez muito sucesso na voz de Aracy de Almeida, nos anos de 1930, quando Maluf, portanto, ainda usava calças curtas.

A sentença deixou de ser um clichê somente entre políticos, espalhou-se por celebridades e outras subespécies de mídia e agora contaminou as redes sociais. A febre do reconhecimento para ontem faz com que muita gente caia na armadilha das polêmicas de um dia e tenha uma opinião fragilizada sobre tudo, parafraseando alguém bastante lembrado por aqui.

Para domar as tentações virtuais, estou divulgando o Guia de Apoio aos Anônimos, criado por especialistas que – obviamente – preferem não se identificar. Trata-se de uma publicação de autoajuda com o propósito de combater a autoexposição que conduz à autoflagelação na internet. O Guia se baseia na fórmula que dissolve a profecia apropriada por Maluf. São doses cavalares de indiferença, que levará o leitor à irrelevância, ao anonimato absoluto.

A primeira regra consiste em não se posicionar sobre reality shows. Não assuma para si nenhuma das brigadas de incêndio. Entrar para a seita que demoniza o programa em idade adolescente e mentalidade infantil significa elevar a audiência dele. E mentir para si mesmo, quando você descobrir que sabe de cor e salteado o nome de todos os integrantes da casa.

Jamais participe de correntes, listas de assinaturas, campanhas pró-bichinhos exóticos e outras cruzadas para retirar produtos da mídia do ar ou condenar pseudocelebridades que se manifestaram, com superficialidade, sobre qualquer assunto que juravam conhecer. Quanto maior o blablablá, mais numerosas as chances de criar produtos com base no original (que já é uma cópia!).

Se o teu jogador preferido mudar o corte de cabelo ou arranjar outra mulher, silêncio monástico. Nem uma linha a respeito. Nem 140 caracteres de sabedoria. Assim, você pode evitar que outras pessoas cometam crimes contra os próprios filhos no barbeiro ou desejem a mulher que jamais terão, ainda que bebam um galão de cerveja e alucinem visualmente na vida noturna.

Caso seu amigo, peguete, parente ou seguidor de rede social (que podem ser todos na mesma pessoa) resolva postar fotografias de refeições, contenha a fome de curtir, comentar ou compartilhar. Ele saberá que você se consome de inveja enquanto dilacera em menos de dez minutos aquele almoço por quilo clonado cinco, seis vezes na semana. O vácuo na resposta o deixará salivando por conta da indiferença gastronômica. Quem sabe ele entra em dieta?

Ah, o mesmo vale para viagens. Você nunca vai conhecer o lugar ao vivo. Falar na cidade da sua avó, no interior, como réplica, soa como despeito, além de não ser paradisíaca. Caso contrário, sua avó não moraria lá! E não minta! A desculpa de que as fotos queimaram não cola.

Saudações como bom-dia, boa-noite e afins devem ser ignoradas. Não são para você! Qual é a chance de ele falar contigo entre os 1.529 amigos do Facebook? Ainda mais que, quando se esbarram na rua, ele (ou ela) não te cumprimenta? Lembre-se:facers é o sobrenome que não consta na sua certidão de nascimento, seja no cartório, seja no seu apelido na internet.

Se pretende impressionar alguém com arroubos de inteligência, evite as frases prontas de romancistas, filósofos e poetas. Provavelmente não foram eles que as escreveram. Se o fizeram, o contexto é outro. E não tem como você provar que leu. Jamais, nunca, cite trechos doGuia de Apoio aos Anônimos. Só em casos promocionais, que disseminam com maior rapidez a picaretagem, e as vendas, deste almanaque.

A fundação, cujo nome será mantido em sigilo, pede que não me estenda mais. Até porque o candidato a best-seller ainda é inédito. Apenas um conselho: se a urticária virtual dominar suas extremidades e você não suportar a ânsia de legitimação alheia, siga o mesmo filósofo citado no início deste texto quando precisa ser defender: “Nada a declarar.”

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[Marcus Vinicius Batista é jornalista]