Teria sido o Vaticano picado pelo “bichinho da política”? A renúncia do papa Bento 16 mostra que criou-se por lá um “reino de instabilidade”. O mesmo já conhecido dentro dos parlamentos em que deputados e senadores “disputam” espaço à força em busca de mais poder político.
Assim, a manchete da edição de quarta-feira (13/2) do jornal O Estado de S. Paulo, “Disputa de poder foi um dos motivos da saída de Bento XVI”, só vem confirmar que a justificativa de saúde debilitada, dada pelo papa para sua renúncia, pode não ter sido a única razão para essa decisão. E o que estaria por trás disso? Não é algo além da compreensão humana. O Vaticano é um Estado. Rico. E como é a política, muitas vezes essa importantíssima instituição religiosa diverge por conta das tendências dentro do clero: uns mais conservadores, outros mais liberais. Tudo isso, apesar de a Igreja Católica ser uma só. E seguir as mesmas normas e ritos. É a natureza do homem. Ele sempre está em disputa, principalmente dentro da política. Quando é possível conviver bem, certamente ocorreram acordos entre eles.
Mas, mesmo diante de todo um cenário de instabilidade, a renúncia de Bento 16 “soa” como algo muito forte. Renunciar é abrir mão de algo. Desistir da posse de alguma coisa. É rejeitar, recusar, não querer mais. É recusar todo e qualquer compromisso. É renegar. É deixar de fazer algo voluntariamente. É algo que os políticos só fazem quando estão em situação complicada e para não perderem direitos políticos deixam o cargo provisoriamente sonhando em voltar depois. Não que essa seja a situação e nem o pensamento do papa. Ele sai e não volta mais.
O reino da instabilidade
Evidentemente que Bento 16 não renuncia à sua fé católica. Como intelectual, professor de Teologia e importante membro da Igreja no mundo, deve ter “pensando e repensado” sobre sua decisão. Mas, quando assumiu o cargo, em 2005, criou-se grande expectativa em torno dele. E, muito mais ainda, uma grande responsabilidade em ter de substituir um papa popular, seu antecessor João Paulo 2º.
Ao abdicar de sua posição, Bento 16 deixa não somente o cargo, mas uma “instituição”, que é o papado (aqui nem falo da Igreja Católica, mas somente do papado), cuja missão seria até o fim de sua vida.
Então, no meio dessa linha tênue – entre o Vaticano e sua instabilidade política –, a renúncia parece algo surpreendente e talvez nunca esperada nem pelo melhor amigo de Bento 16. Talvez, mesmo diante das adversidades e da “pressão” que o cargo exerce, fosse melhor buscar outra saída, não menos complicada: a conciliação entre as diversas tendências de poder no Vaticano. Aqui é preciso ter “sorte e carisma”. Um fato complicadíssimo diante da instabilidade política. Quanto à saúde, Bento 16 tem, sim, o direito de cuidá-la. No cargo ou não? É difícil dizer. O certo é que mais um papa passa e a Igreja fica comandada pelo Vaticano cheio de tendências e divergências políticas. É o reino da instabilidade que um dia pode ser estável. Por que não?
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[Edgar Leite é jornalista, mestre em Ciências Sociais Políticas pela PUC e editor-chefe do jornal Diário de Suzano]