A mídia em geral tem cometido alguns erros na cobertura da renúncia e da sucessão papal. O mais grave deles é a sua abordagem do assunto a partir de um ponto de vista exclusivamente laico. Não se deve esperar, claro, que a imprensa trate o caso da forma como o faria um teólogo; mas certamente não é correta a cobertura que está sendo feita, que se assemelha à de uma eleição comum. Essa visão excessivamente laica é demonstrada na falta de compreensão do processo e nos temas que os jornalistas destacam, monotonamente, como relevantes para o futuro pontificado.
Em razão da inexperiência, da falta de conhecimentos mínimos sobre a Igreja e dos vieses ideológicos, os jornalistas enxergam o papa como se fosse o presidente de uma multinacional e os cardeais ora como se fossem executivos integrantes do conselho diretor de uma empresa, ora como candidatos ávidos por votos disputando uma eleição de cidade interiorana.
É de se crer que nem todos os cardeais ajam corretamente. Mas também é má-fé imaginar que todos sejam carreiristas, oportunistas, ambiciosos que sonham em sentar no trono de São Pedro. Muitos cardeais, provavelmente a maioria, não devem ter nenhuma vontade de calçar as sandálias do pescador. O papado traz poder, mas traz também imensas responsabilidades, além de superexposição a uma mídia cada vez mais hostil, a necessidade de realizar muitas viagens e de se posicionar a respeito de inúmeros assuntos, religiosos e seculares, sem falar de outras dificuldades.
Doutrina milenar
O preconceito se deixa mostrar nas análises da renúncia de Bento 16: o ato de deixar o cargo, para alguns comentaristas, demonstraria apego ao poder, e não o contrário. A imagem do Joseph Ratzinger carreirista foi forjada pelos desafetos do antigo cardeal e aceita pelos jornalistas, que de resto não costumam ter outras fontes a não ser esses desafetos – tanto é que eles reaparecem agora em todos os jornais, sempre as mesmas pessoas.
A cobertura da mídia enriqueceria bastante se ela se abrisse para os aspectos mais propriamente religiosos do processo que está em curso e se levasse em consideração a dinâmica própria da Igreja – suas regras e suas crenças. Se compreendesse que o papa não é um CEO de uma megacorporação, mas um líder que desempenha um serviço pesado sem qualquer perspectiva de ganho real e defende uma doutrina de dois mil anos. Se considerasse que os cardeais e demais integrantes da cúria podem, sim, estar realmente desejosos de desempenhar da melhor forma possível seus trabalhos, e não apenas buscar o poder a qualquer custo. Não há contradição entre noticiar livremente todo o processo e manter o espírito aberto.
Além disso, assim como ocorreu em 2005, muitos jornais voltam a propor ao próximo papa uma pauta completamente irrealista, baseada tão somente nos interesses dos próprios jornalistas. Segundo muitos veículos, o futuro pontífice deverá lidar com questões como casamento homossexual, ordenação de mulheres e aborto. Na realidade, não há motivo algum para que isso aconteça: são questões já resolvidas pela Igreja. Suas posturas quanto a tais assuntos já foram afirmadas e reafirmadas ao longo dos séculos sem qualquer possibilidade de mudança, uma vez que estão alicerçadas em documentos considerados sagrados.
O fato de parte da sociedade atual pensar diferente daquilo que prega a Igreja não significa que a Igreja deva mudar sua doutrina. Aqui, os jornalistas confundem a instituição com uma empresa que busca disponibilizar produtos ao gosto do grande público. Incapazes de compreender seu papel, chegam a dar conselhos para que conquiste mais fiéis. Goste-se disso ou não, acredite-se nisso ou não, a Igreja existe para defender e divulgar um corpo doutrinário estabelecido há milênios. Qualquer mudança nisso seria uma traição aos seus princípios e nenhum papa poderá fazê-lo.
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[Nazário Moisés é jornalista, Brasília, DF]