Passado o episódio recente do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), motivado por uso de sinalizador, eis que na Bolívia, num jogo pela disputa da Libertadores, um sinalizador atinge, letalmente, um menino boliviano de apenas 14 anos. Apurações dão conta de outro adolescente, brasileiro, de 17 anos, haver sido o responsável por disparar o artefato.
Tudo é ainda nebuloso. As matérias divulgadas estão repletas de lacunas. A primeira questão é saber se, realmente, o ato gerador de nova fatalidade coube a um menor de idade. Será que, no caso, não se repete a fórmula utilizada pela bandidagem, no sentido de sempre apresentar-se um menor para encobrir um adulto? A outra questão é: se, realmente, o agente infrator foi o menor de 17 anos, em sendo menor, com quem ele estava, na condição de responsável? Um menor pode viajar, para outro país, sozinho? Não. Então, ficam questões em aberto.
Na espiral da euforia
Deixados de lado aspectos cujo esclarecimento cabe à polícia boliviana, o que me abate é a repetição de uma fórmula: a necessidade incontida que adolescentes e jovens têm em fazerem jorrar de si, para além da alegria. O acontecimento, em si, não basta. Seja a música no palco; seja um jogo no campo.
No caso das competições esportivas, há muito verifica-se o incentivo a uma “estética de guerra” entre as torcidas. Os clubes patrocinam; a mídia entrevista e dá visibilidade. É pena que o alerta do filósofo E. M. Cioran não tenha sido suficiente, quando escreveu o ensaio “Genealogia do fanatismo”.
No artigo escrito neste Observatório sobre a trágica noitena boate Kiss, mencionei a “euforia tsunâmica” como característica dos eventos protagonizados pela atual juventude (ver aqui). Há um desespero descontrolado que, na raiz, encontra a promotora: a mídia impressa e eletrônica. Esta é a grande vilã das histórias desafortunadas, de vidas abortadas precocemente. Sim, é a mídia quem injeta “combustível”, “adrenalina”. A mídia atual serve, esteticamente, para cada jovem, “Red Bull + vodka”. Por quê? Ela tem de vender para arrecadar quanto mais puder. Para tanto, não importa se vidas serão ceifadas.
Na espiral da euforia, há a ferocidade de quem pensa na receita; na outra ponta, a voracidade de uma juventude que não foi educada para o senso do limite. Quando as duas vertentes se encontram, a resultante é o que, cinicamente, chamam de “fatalidade”.
Curva para a insensatez
Ao longo de dois meses, são três fatos envolvendo mortes de jovens. Duas ocorrências foram pontuadas em tópicos anteriores. Uma terceira diz respeito a outro jovem, de 28 anos, que, num navio de cruzeiro, durante o Carnaval, jogou-se, ou caiu, ou foi lançado da varanda de sua cabina, no décimo primeiro andar, enquanto o navio estava ancorado em Santos. Era formado em arquitetura. Qual terá sido a causa? Excesso de bebida, drogas?
A mídia registra os fatos. Todavia, jamais computa o que ela agrega de informação e publicidade. Finge não se dar conta do quanto infunde, subliminarmente, na consciência de adolescentes e jovens, a intensidade de excitação, de convite à exacerbação das emoções. Não tenho dúvida quanto ao espectro fantasmagórico que a mídia brasileira concentra. Temos, no horizonte próximo, Copa das Confederações, Copa do Mundo e, por fim, Olimpíadas. Aguardemos por muitas mortes futuras de jovens atraídos e traídos. Por fim, sempre, virão lágrimas inúteis. Atrasadas.
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[Ivo Lucchesi é ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da FACHA (RJ)]