Na série de entrevistas com profissionais da divulgação científica e tecnológica (DCT), o blog Dissertação Sobre Divulgação Científica conversou com o jornalista Reinaldo José Lopes. O editor de ”Ciência+Saúde” do jornal Folha de S.Paulo expressou a opinião dele sobre a realidade do campo no Brasil, criticou a falta de espaço da C,T&I na grande imprensa, falou sobre o processo de produção da notícia e, também, a respeito do relacionamento da mídia com a academia.
A ciência sempre acompanhou a carreira de Reinaldo, 34 anos, que tem passagens pelo portal G1 e pela revista Scientific AmericanBrasil. Ele é autor do livro Além de Darwin – Evolução: O que sabemos sobre a história e o destino da vida, lançado em 2009 pela Editora Globo. Aliás, o jornalista quase se formou em Biologia, área para a qual também foi aprovado no vestibular.
Porém, a Comunicação Social falou mais alto e ele concluiu a graduação em 2001 na Universidade de São Paulo (USP), mesma instituição na qual obteve os títulos de mestre (2006) e doutor (2012), com estudos sobre as obras de ficção do escritor e filósofo britânico John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973).
Reinaldo Lopes, torcedor do São Paulo, nasceu em São Carlos (SP). Ele é o único jornalista da família, já que o pai é comerciante – vende artigos de pesca, camping e utilidades domesticas – e a mãe é professora aposentada. Já o irmão dele preferiu ser vendedor.
Como você iniciou no jornalismo científico?
Reinaldo José Lopes – Eu sempre gostei de ciência. Durante a época da universidade, não tive disciplina de jornalismo científico, mas tive contatos com o campo, ainda que superficialmente, num estágio em São Carlos, onde lidei um pouco com temas como história e arqueologia. Porém, só mergulhei mais profundamente neste meio quando me tornei repórter da Folha de S.Paulo, em 2001.
O que o motiva a trabalhar em jornalismo científico?
R.J.L. – Principalmente, a paixão pessoal por ciência e em especial por Biologia. Além disso, o JC, que possui um forte potencial de impactar a sociedade, permite ao profissional exercitar a criatividade, ir mais fundo nos assuntos explorados, explicar melhor para o leitor o tema da matéria. Gosto muito!
Quais são as suas fontes de informação dentro do campo?
R.J.L. – Sempre apreciei os grandes autores da DCT, como os norte-americanos Carl Sagan (1934-1996) e Stephen Jay Gould (1941-2002,), além do queniano Clinton Richard Dawkins (1941). Por conta do meu trabalho, preciso estar atento às novidades de revistas importantes da área, como a Science, Nature, Cell, Scientific American, New Science, entre outras. Também tento aproveitar a moda dos open couses, cursos introdutórios online oferecidos gratuitamente por importantes centros de pesquisa do mundo, como o Massachusetts Institute of Technology (MIT).
Qual a realidade do JC no Brasil?
R.J.L. – O campo evoluiu bastante, as pessoas estão mais qualificadas e atentas, em comparação com o início da década anterior. Acho até que há muitos profissionais competentes fora do mercado, exatamente pela limitação de vagas nos meios de comunicação. Aliás, o jornalismo científico é sempre o primeiro a sofrer em situações de contenção de gastos e contração da economia. A editoria de ciências sempre foi uma espécie de “cereja do bolo”, nunca ocupou um espaço privilegiado no noticiário, como uma editoria majoritária.
A atual crise econômica mundial também tem impactado o campo. No prazo de um ano e meio, já houve duas demissões em massa na Folha de S.Paulo, afetando, inclusive, a nossa editoria. Antes, havia uma página de Ciências e uma de Saúde, mas atualmente os espaços se fundiram em uma só página. Com a reformulação, a equipe conta com três profissionais a menos.
Como é formada a equipe atualmente?
R.J.L. – Além de mim, há um editor-assistente e três repórteres, isso para dar conta da versão impressa e da online. O tempo de produção varia bastante, de acordo com o material. Os breaknews exigem uma mobilização bem rápida, com a publicação em três a quatro horas na internet, e depois a transposição do conteúdo para o jornal. Já as matérias especiais são feitas com mais estrutura e planejamento, sendo pensada melhor a seleção e também a distribuição das informações, assim como a elaboração do lead. Neste caso, a média é de dois dias entre pauta e publicação.
Esse número de profissionais na redação é suficiente?
R.J.L. – Para a versão impressa, é sim, mas para o site, precisaríamos de mais recursos humanos para suprir tudo com mais agilidade e qualidade.
E qual o espaço do JC no noticiário brasileiro?
R.J.L. – A minha visão é mais a partir do veículo impresso, que está em contração. Há uma perspectiva de que o leitor indispõe de tempo sobrando para longas leituras. Já na TV, a impressão é que aumentou o espaço para a Ciência, mas muito do que é transmitido é produção enlatada, da BBC ou National Geographic, por exemplo. Além disso, as ciências básicas poderiam ter um tratamento mais privilegiado. Trata-se de um ramo da ciência que dá audiência, há demanda reprimida dos leitores. Quando eu estava no portal G1, uma matéria com conteúdo deste perfil chegava ter meio milhão de acessos em poucas horas.
Há diferenças entre a cobertura da ciência pela grande imprensa e pela imprensa especializada?
R.J.L. – Difícil traçar um paralelo, porque os veículos especializados são muito poucos no Brasil e atingem um público bem restrito. Temos, por exemplo, a revista Ciência Hoje, a revista Pesquisa Fapesp… mas, analisando esse segmento da imprensa, destaco a revista Unesp Ciência. É o melhor caso, por combinar com competência a rigorosa cobertura a uma linguagem atrativa, incluindo ilustrações pertinentes e um texto saboroso.
Do ponto de vista da grande mídia, falando de São Paulo, também é complicada a comparação, pois o Estado de S.Paulo, nosso concorrente direto, não mantém um espaço fixo, um compromisso diário com a Ciência. No Brasil, O Globo e a Folha são os que sustentam constante e diariamente esta editoria.
Há diferenças marcantes entre o JC e o jornalismo de outras editorias?
R.J.L. – A formação do jornalista, em geral, é muito humanística, no máximo tende para a economia ou para a administração pública. Em geral, os profissionais têm pouca habilidade para lidar com Ciências, porque este é um campo bem peculiar e específico. Quando nossos colegas encontram dificuldades em assuntos em que a C,T&I é incorporada em outras editorias, eles costumam nos procurar, como em situações de epidemia, terremotos e em acidentes nucleares, a exemplo da usina de Fukushima, no Japão, em 2011. Por isso, é importante haver espaço de Ciências cativo nos veículos.
Qual perfil deve ter o divulgador?
R.J.L. – Ele deve ser interessado, curioso, ter muita vontade de aprender e um texto agradável. Uma boa base do ensino médio é suficiente para começar, mas depois é importante continuar se desenvolvendo. Também é necessário o domínio do Inglês, pois é este o idioma que predomina do sistema científico, mesmo em algumas publicações nacionais.
O quanto a pós-graduação contribui para o profissional exercer com qualidade da DCT?
R.J.L. – A pós-graduação em si não interfere tanto. Acho que conta mais o esforço pessoal de cada jornalista, de ler muito, se comunicar, fazer cursos, mesmo pela internet. Fiz o meu mestrado e doutorado por hobby.
Qual é o público de C,T&I da Folha?
R.J.L. – O perfil do público do jornal tem idade a partir de trinta anos e é formado predominantemente por homens. Isso me preocupa um pouco, pois deveríamos conquistar mais jovens, até para formar mais leitores. Particularmente, quero atingir a todos, falar com qualquer pessoa minimamente madura para entender o assunto e apreciar as matérias.
Como funciona o processo diário da editoria de ciências?
R.J.L. – O primeiro passo é acompanhar os principais veículos científicos, tanto no contexto geral quanto dentro de cada área específica, como Química, Física, História, Saúde etc. Também mantemos uma rede de contatos para obter informações passíveis de publicação, e procuramos identificar a realização de eventos, pois em geral há novidades que ainda nem foram publicadas em revistas. As pautas baseiam-se em assuntos práticos, que interfiram no cotidiano do leitor, e em informações curiosas, interessantes, que atraiam a audiência pela originalidade. Também procuramos focar em perspectivas e tendências, temas com possibilidades de desenvolvimento a médio e longo prazos. Porém, esse esquema é mais teórico, no dia a dia, as tarefas se sobrepõem, devido à dinâmica da rotina jornalística.
Como o jornal age para apresentar um conteúdo crítico, que não seja publicidade de pesquisas e instituições?
R.J.L. – Nós tomamos muito cuidado para ouvir lados opostos, saber se as informações são confiáveis e pertinentes. Porém, abrir espaço para a outra perspectiva nem sempre é bom, como ouvir um criacionista sobre a evolução, ou mesmo os céticos do clima sobre as mudanças climáticas.
E quais temas atraem mais audiência?
R.J.L. – A astronomia e cosmologia sempre despertam interesse. O jornal até nos rienta a ficar atentos a esses assuntos, mas a gente também busca bastante cobrir os desvios de conduta científica, como fraudes, plágios etc., fruto, inclusive, da pressão política do sistema para o pesquisador publicar. Como isso está relacionado à pesquisa em si e à gestão e ao interesse públicos, a imprensa precisa ficar de olho, até porque no Brasil há poucas iniciativas de monitoramento dessas situações.
O cientista ainda é resiste à divulgação?
R.J.L. – Muito menos do que no início dos anos 2000. Antes, era mais complicado esse relacionamento, até mesmo pelo então relativo atraso tecnológico. Já aconteceu de eu pedir ao pesquisador o envio de arquivos por e-mail, mas ele recusar-se, argumentando que os documentos só estavam em versão impressa. O correio eletrônico era pouco utilizado na academia, aliás, as pessoas como um todo usufruíam muito menos deste recurso. O contato é bem mais simples hoje em dia, mas ainda há aquele cientista indisposto a receber a imprensa e se comunicar com o público amplo. As assessorias de comunicação dos institutos de pesquisa refletem um pouco esse quadro. Atualmente, elas estão mais estruturadas, mas poderiam ser ainda mais receptivas e proativas. Creio que em pouco tempo essa barreira será superada.
Você concorda que a demanda por DCT nos centros de pesquisa é superior ao que é divulgado pela imprensa?
R.J.L. – Concordo, sim, mas há o problema de divergência das expectativas. Acima de tudo, a imprensa quer fazer jornalismo, ou seja, ter um olhar no leitor e ser mais cauteloso, crítico. Só falar sobre as teorias de Einstein ou Darwin, por exemplo, embora seja importante, não é jornalismo, mas sim divulgação. Muitos institutos de pesquisa atuam nesta vertente, através de uma roupagem propagandística e institucional dos assuntos, como parcerias e premiações dos pesquisadores que compõem a organização. A DCT até pode estar no conteúdo jornalístico, mas de forma equilibrada. A falta de contraponto, de crítica, de visão na audiência, torna o trabalho incompleto.
Qual tem sido o papel das novas tecnologias nesse contexto?
R.J.L. – Esses recursos facilitaram muito o processo. Tenho a impressão que as pessoas leem muito mais no Facebook, por exemplo, do que na própria página do jornal, talvez pela possibilidade de interação. Por outro lado, como somos mais vistos e monitorados, devemos tomar mais cuidado com o que falamos e como nos expressamos. A velocidade da internet nos exige também o preparo imediato para críticas.
Você se incomoda em apresentar ao pesquisador o conteúdo antes da publicação?
R.J.L. – Se o conteúdo for polêmico, como denúncias ou má conduta profissional, por exemplo, não acho ético apresentar o texto para a revisão. Se, por outro lado, for apenas para confirmar as informações, tudo bem, desde que o pesquisador retorne dentro do tempo de fechamento da edição, até às 19h, mais ou menos. Às vezes, os cientistas querem corrigir estilos e estrutura narrativa da matéria, o que foge do campo de atuação dele nesta dinâmica.
Como é o processo de seleção das informações a serem publicadas? Há alguma negociação com o cientista?
R.J.L. – Depende… cada caso é um caso. Neste aspecto, a formação e a sensibilidade do repórter são essenciais para saber o que terá mais destaque dentro daquela gama de informações. A seleção é árdua, devido ao espaço: uma matéria principal de C,T&I na Folha de S.Paulo tem entre três e quatro mil caracteres, uma página de Word com fonte no tamanho 12. É muito difícil contemplar tudo. O enfoque se dá no que é notícia, no que interessa ao leitor, em combinação, claro, com o peso científico.
Como humanizar e socializar a ciência?
R.J.L. – Em geral, apresentamos a vida e o lado pessoal do personagem, o ambiente onde ele está inserido e os desafios para ir a campo explorar o conhecimento. Por outro lado, devemos evitar expor a ciência como fantasia, revelando apenas o que causa impacto social. Também é importante mostrar que o conhecimento por si só é necessário e promove mudanças, ultrapassa fronteiras. Diversas descobertas surgem “por acaso”, sem planejamento específico para aquela inovação.
Qual a sua visão sobre os incentivos para o jornalismo científico no Brasil?
R.J.L. – Relativamente, são poucos. Na Folha, temos há décadas uma cultura estabelecida de valorização da ciência, mas vejo que isso ainda falta em outras empresas do meio. Tanto no setor privado quanto no público, não há um só prêmio anual de jornalismo científico no Brasil. O Prêmio José Reis de Divulgação Científica (CNPq) é rotativo a cada três anos, para cientista, instituição e jornalista. Já o Prêmio Esso engloba vários campos em uma categoria.
Nota: No dia em que a entrevista foi publicada no blog, Reinaldo Lopes deixou a editoria para retornar a São Carlos, onde continua na mesma seção do jornal, mas como repórter. Débora Mismetti ocupa interinamente o cargo e deve ser efetivada.
***
[Bruno Lara é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação do convênio entre o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No campo da divulgação científica, atuou na Assessoria de Comunicação do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC)]