Em Jerusalém desde o início do ano, o correspondente da Folha, Diogo Bercito, diz que não há dificuldades em morar em Israel, país a mais de dez mil quilômetros de distância de sua terra natal. “Ter de estudar hebraico e ter de adaptar meu árabe formal ao dialeto palestino são dois desafios que mais me alegram do que aborrecem”, conta ao Comunique-se.
Formado em jornalismo pela Cásper Líbero em 2009, Bercito começou a escrever para a Folha no segundo ano de faculdade. Aos 24 anos, o profissional garante que “quando alguém sugere” que chegou rapidamente à função de correspondente, “parece que a palavra deixa escapar” todo o trabalho anterior.
Descendente de italianos e de origem cristã, ele fica em Israel até dezembro deste ano e revela ao Comunique-se a rotina de “não ter rotina” e as formas de abordagem de uma fonte. “Faz diferença falar árabe, nem que seja para conquistar a confiança de um entrevistado e, depois, seguir a entrevista em inglês”.
Confira a íntegra da entrevista com Diogo Bercito, como parte do especial do Comunique-se sobre o Dia do Jornalista, comemorado no domingo, 7/4.
Antes de se dedicar a temas do noticiário internacional, você cobriu outros assuntos, como comportamento e histórias em quadrinhos. Como surgiu o interesse pela editoria internacional?
Diogo Bercito– O interesse sempre existiu. Em 2008, visitei Israel como turista. Naquela ocasião, escrevi uma reportagem para a editoria de ‘Mundo’, relatando um projeto da Cruz Vermelha na Cisjordânia. Na época, eu era repórter de ‘Empregos e Negócios’. Não por acaso, me dediquei a estudar o tema internacional e meus estudos universitários em língua e literatura árabe fazem parte dessa curva [É aluno do departamento de línguas orientais, na Universidade de São Paulo, e foi bolsista do centro de línguas marroquino Qalam wa Lawh, onde estudou árabe].
Você tem 24 anos e se formou há pouco tempo. Como se sente ao ter atingido esse patamar?
D.B.– Eu me formei em jornalismo em 2009, mas escrevo para a Folha desde o segundo ano de faculdade. São quase seis anos de muito trabalho, durante os quais tive a oportunidade de me envolver em diversas das etapas de produção do jornal. Fui à rua, trabalhei ao lado de ótimos fotógrafos, entrevistei grandes personagens, viajei em coberturas, participei de reuniões, atuei no fechamento da edição. Quando alguém sugere que cheguei “rapidamente” à função de correspondente, me parece que a palavra deixa escapar tudo isso que veio antes.
Ao longo de sua carreira, qual cobertura foi mais marcante? Por quê?
D.B.– Todas as grandes pautas em que trabalhei me marcaram muito. Em geral, pensamos em coberturas de guerra, longas viagens, entrevistas importantes. Mas outras coisas me deixaram marca. Por exemplo, visitar unidades da Fundação Casa e conversar com jovens internos, quando eu era repórter do 'Folhateen'.
Como sua família reagiu ao saber que você seria correspondente em Jerusalém?
D.B.– Com o apoio habitual. A apreensão é natural, principalmente pela distância. De resto, reagiram com a empolgação de quem entende que eu estou onde quero estar.
Quais as principais dificuldades da realidade israelense? Você estranha os costumes, a cultura, a gastronomia?
D.B.– Não consigo pensar em dificuldades. Talvez a língua, alguém dirá. Mas ter de estudar hebraico e ter de adaptar meu árabe formal ao dialeto palestino são dois desafios que mais me alegram do que aborrecem. De resto, já estou, de certa forma, habituado aos costumes. Estive aqui em 2008 e visitei, ao longo dos anos, toda a região: Egito, Líbano, Jordânia, Síria. Morei, também, por três meses no Marrocos. Eu me sinto em casa.
Qual sua rotina de trabalho para a Folha?
D.B.– A rotina é não ter rotina. Leio os jornais locais, para começar o dia, e daí em diante me dedico a encontrar as melhores histórias para narrar. Depois, busco informações em entrevistas, livros, conversas com fontes. Tudo na rotina de um correspondente é de certa maneira trabalho. Algumas ideias de reportagem, por exemplo, surgem no jantar, na conversa com amigos, em um passeio pelo parque.
Além de trabalhar, o que tem feito em Jerusalém?
D.B.– Estudo árabe palestino e hebraico. O que, é claro, pode ser visto também como uma tarefa, já que conversar na língua local é uma ferramenta bastante útil durante a apuração. Todos os dias vejo, na prática, como me faz diferença falar árabe, nem que seja para conquistar a confiança de um entrevistado e, depois, seguir a entrevista em inglês.
Considera que a faculdade de jornalismo foi importante para a sua formação e para que você atingisse esse patamar na carreira?
D.B.– Sim, mas não coloco a faculdade de jornalismo como o fundamento da minha carreira. O que aprendi no dia a dia da redação não tem preço. Também os livros que li, as viagens que fiz, os cursos. Alguém pode dizer que a aula de “o que é uma pauta”, na universidade, tem aplicação prática. Mas também o workshop de Constituição dos Estados Unidos que fiz como fellow do Centro Nacional de Constituição da Filadélfia. Ou o curso de escrita na Mesopotâmia. Ou as aulas de piano clássico. Todo o tipo de formação é fundamental, para um jornalista.
Quais seus próximos objetivos?
Estou trabalhando com o curto prazo, hoje. Meu objetivo é fazer o melhor trabalho possível daqui até dezembro. Aproveitar a oportunidade.
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Renata Cardarelli, do Comunique-se