Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O espaço das mulheres

Elas representam 64% dos jornalistas em atividade no Brasil e já dominam as redações do país, de acordo com pesquisa divulgada pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) em 1º de maio último. Apesar disso, quando o assunto é jornalismo esportivo a situação não é a mesma. Durante o Seminário Internacional de Jornalismo Esportivo, Indústria e Sociedade, nos dias 7 e 8 de maio, em Brasília (DF), Joanna de Assis (SporTV) e Marluci Martins (jornal Extra) concordaram que cabe à mulher conquistar espaços nessa editoria e superar, por vezes, ironias e piadinhas de colegas.

“O incrível é que não é o jogador ou o técnico que acham que você não se encaixa, o preconceito pode vir de um colega de trabalho”, disse Joanna. Mas ela aponta que falta estímulo das próprias mulheres em conquistar espaços em uma área que sempre foi considerada masculina.

Joanna diz existir uma “hipocrisia social” relacionada ao fato de mulheres receberem cantadas no meio do jornalismo esportivo. Para ela, isso não é uma coisa específica do meio porque é natural e acontece em qualquer lugar. “Se você for à padaria, pode acontecer de um cara te cantar. É normal e não caracteriza preconceito”, disse. Na opinião da repórter, tudo é uma questão de postura.

A jornalista Marluci Martins, do Extra, concorda com a afirmação da colega. As profissionais, segundo ela, precisam fazer valer o seu profissionalismo. “Você tem que deixar claro que você é legal, não está dando mole”, disse. “À medida que eles entendem que você está ali para trabalhar igual a todo mundo, isso acaba e eles passam a confiar em você, a te dar crédito.”

Para as jornalistas, as mulheres têm alguns anos de desvantagem oriundos da formação que recebem em casa. Enquanto desde pequenos os garotos são estimulados a gostar de esportes e a praticá-los, as garotas são empurradas em direção às bonecas. “Nunca vemos o pai de uma menina no corredor da maternidade vibrando porque nasceu sua camisa 10”, brincou Joanna. Segundo ela, isso resulta em garotas que não entendem nada de esporte e nem se interessam pelo assunto. Mas é uma situação que pode ser compensada. “Se tiver interesse, é questão de correr atrás”, disse.

Na prática profissional, a única desvantagem real considerada pela repórter é a física. Joanna ressalta que as mulheres são menores e mais delicadas e, em certas situações, isso pode ser uma dificuldade. “Ali na zona mista é o caos, é cotovelada para todo lado”, disse, a respeito do momento em que os jogadores saem de campo e passam por um pequeno corredor onde repórteres e cinegrafistas disputam espaço para ouvi-los. E como compensar essa desvantagem? Joanna revela os caminhos: “Eu bato também, me jogo no chão, o que for preciso.”

Vestiário

No passado recente, os jornalistas tinham acesso aos vestiários após os jogos para entrevistar os jogadores. Joanna e Marluci contaram que durante suas carreiras essa foi uma parte complicada. A situação era embaraçosa e acabava deixando a jornalista do lado de fora, esperando os jogadores colocarem alguma roupa, enquanto os outros repórteres já estavam lá dentro obtendo informações. “Eu não era proibida de entrar, mas tentava evitar uma situação constrangedora tanto para mim quanto para o jogador”, disse Joanna. “Entrava olhando para cima. Não podia perder as informações. Aos poucos os técnicos passara a nos ajudar, organizando [a entrada no] vestiário”, sublinhou Marluci

Hoje, a burocratização não permite mais repórteres em vestiários – o que, para Marluci, é bom porque iguala as condições para homens e mulheres. Por outro lado, não se tem mais acesso livre e direto aos jogadores, e o repórter não pode mais escolher o jogador com quem quer falar. O trabalho da assessoria de imprensa ganhou força e, com isso, todos os jornalistas falam apenas com os jogadores que o clube seleciona para ir à mesa após o jogo – e que, em geral, não são os que realmente interessam.

Assessores

A relação de amor e ódio entre assessores de imprensa e repórteres não é nenhuma novidade e, para Joanna e Marluci, no jornalismo esportivo a atuação da assessoria de imprensa tem dado trabalho aos repórteres. “Assessor é um bicho com quem a gente briga sempre. Eu mesma já briguei feio com alguns porque eles são terríveis”, disse Joanna. Segundo ela, alguns assessores querem ficar do lado do jogador durante a entrevista controlando as perguntas do repórter, chegando a interromper a conversa para dizer que determinada pergunta não pode ser feita. “Já aconteceu comigo, mas aí eu briguei. O assessor não tem o direito de controlar o que eu pergunto, não é ele quem me pauta”, disse.

>> Entrevista com Marluci Martins (repórter: Lucas Salomão)

 

>> Entrevista com Joanna de Assis

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Sthael Samara é estudante de pós-graduação em Jornalismo Esportivo e repórter da Agência de Notícias UniCEUB