Perdoai, eles não sabem o que dizem.
Quem afirma desta vez são os representantes do neuromarketing, área nova que junta neurociência e comportamento do consumidor.
Eles cansaram do velho método para avaliar um produto ou uma marca, antes ou depois do lançamento: juntar alguns consumidores e perguntar o que eles acham.
O problema, dizem, é que as pessoas não sabem nem dizer direito o que querem, menos ainda por que querem.
Quem explica é Gemma Calvert, professora universitária e diretora da empresa britânica de neuromarketing Neurosense, crítica à tradicional pesquisa de opinião.
Ela lembra que o cérebro toma decisões de diferentes maneiras. Há áreas responsáveis por escolhas intuitivas e rápidas, não voluntárias, como dirigir ou jogar futebol.
E há o córtex pré-frontal, voluntário e racional, mas lento. É o “deixa eu pensar”, ruim para chutar ao gol após alguém cruzar a bola, mas ótimo para planejar uma viagem.
As compras, acreditam Calvert e colegas, com frequência passam longe do córtex pré-frontal, ainda mais aquelas para as quais não damos muita atenção, como decidir entre uma marca e outra na prateleira do mercado.
Ou seja, essa história de livre arbítrio total não está com nada, e a maioria das nossas escolhas como consumidores são feitas na base do instinto.
“Sentimos primeiro, compramos e só por último racionalizamos, para justificar”, diz Calvert, que veio em março a um fórum mundial de neuromarketing em São Paulo.
Exemplificando: por mais que racionalmente as donas de casa digam que preferem o seu molho de tomate o mais natural o possível, na hora de comprar vão querer o que sabem ser mais vermelhinho, mesmo que cheio de corante.
“As pessoas falam uma coisa, mas seu cérebro fala outra”, diz Calvert.
Mapeando mentes
A solução, então, é ir direto ao cérebro das pessoas.
A maneira mais sofisticada de fazer isso é cara. Trata-se de mapear a atividade do cérebro com técnicas como ressonância magnética.
Assim, o pesquisador sabe, por exemplo, o quanto alguém está criando memórias enquanto assiste a um comercial de TV -ou seja, o quando presta atenção e vai lembrar da peça e da marca.
Um serviço que empresas da área prestam é juntar voluntários para assistir a comerciais de TV ainda não lançados, com aparelhos de ressonância magnética na cabeça.
As empresas fazem então um gráfico da atividade cerebral relacionada à atenção prestada ao anúncio segundo a segundo. Com isso, aconselham: aquele ator ativa a formação de memória das pessoas, por que não aumentar a sua fala? Ninguém deu bola para a imagem do céu, vamos tirar? Não dá para a marca aparecer três segundos antes, no pico da atenção?
No exterior, uma das principais empresas é a Neuro Insight, de Nova York. Seu CEO, o indiano Pranav Yadav, tem apenas 28 anos. Entre os seus clientes, estão grandes empresas como Nestlé e Allianz.
Já a Neurosense atende Coca-Cola, Intel e Unilever. Calvert, a diretora, diz ter uma aposta clara: é hora de ir aos mercados emergentes.
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Prefeitura de SP utilizou técnica em campanha
É possível também realizar estudos de neuromarketing sem mapear diretamente o cérebro das pessoas.
Em vez de ressonâncias, utilizam-se equipamentos como um óculos ligado a um minicomputador. Coloque-o na cabeça do voluntário e o pesquisador saberá para onde ele está olhando.
É muito útil, por exemplo, para saber que tipo de embalagem atrai a atenção do consumidor na gôndola, coisa que qualquer um teria dificuldade para dizer ao entrevistador em uma pesquisa.
Um exemplo de utilização dessas ferramentas é dado pelo laboratório de neuromarketing da FGV de São Paulo. Em 2011, ele ajudou a prefeitura da cidade em uma campanha para diminuir o número de atropelamentos, chamando a atenção para a faixa de pedestre.
Uma agência de publicidade fez vídeos e anúncios-piloto e levou à FGV. A ideia era testar duas opções: uma positiva (gente atravessando com segurança, motoristas gentis) e outra negativa (gente atropelada, sangue).
Uma das ações da FGV foi fazer voluntários usarem óculos que leem a direção do olhar para ver os anúncios.
Resultado: em ambas as opções, eles olhavam para o motoqueiro, para a placa, para o carro, para a árvore -para tudo que aparecia, menos para a tal faixa de pedestres, protagonista da campanha, mas incapaz de chamar a atenção.
Todo o material foi então jogado fora, e a agência criou uma nova campanha baseada em um Homem-Faixa. Para fazer as pessoas olharem para a faixa, fizeram ela falar, se mexer.
Com a ajuda da campanha, os atropelamentos na região central caíram 61%. Ela foi, assim, um sucesso, embora, ao mesmo tempo, multas passaram a ser aplicadas com mais rigor, ajudando o Homem-Faixa.
Com criatividade, as técnicas poderiam ser usadas para aprimorar quase qualquer produto: qual cor de embalagem desperta mais as áreas do cérebro ligadas ao desejo? Quais textos em uma edição de jornal atraem mais os olhos, quais fazem as pessoas criarem mais memórias? Qual das fachadas possíveis em um prédio dá mais sensação de segurança?
Hoje, a área movimenta no mundo US$ 1 bilhão ao ano. A maioria das empresas tem menos de dez anos. “O principal livro de marketing já dedica três páginas a nós”, diz Leon Zurawicki, da Universidade de Massachusetts. “Espero logo um capítulo.”
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Ética e falta de transparência são barreiras
O neuromarketing esbarra hoje em três problemas.
Um é a dificuldade para avaliar o seu desempenho de fato, pois seus operadores com frequência alegam confidencialidade contratual para não divulgar por completo as suas supostas façanhas.
No fórum de São Paulo, por exemplo, um palestrante estrangeiro contou o milagre e o santo, mas disse que não poderia dar o nome do felizardo a ter a graça alcançada.
Ele teria como cliente “uma grande revista” americana cujas capas testaria perante o cérebro de voluntários, descobrindo se são chamativas. Diz que isso aumenta as vendas, mas quem pode saber?
Outra palestrante até contou o nome do fiel, a petroleira BP, mas omitiu o milagre. Diz só que fez “grande mudança no layout dos postos da gasolina via neuromarketing”.
Até Leon Zurawicki, professor da Universidade de Massachusetts e um dos papas da área, critica isso. A falta de acesso a metodologias e resultados, diz, faz parecer que neuromarketing é magia.
Outra questão é ética. Nos EUA, grupos como o Centro para a Democracia Digital questionam: é justo (tentar) mexer deliberadamente com processos de decisão de que as pessoas nem estão conscientes?
Os neuromarqueteiros rebatem: ninguém vai conseguir fazer lavagem cerebral. “Creio que nunca vamos ter o mapeamento definitivo da mente. O que estamos fazendo é apenas entender um pouquinho além das decisões racionais”, diz Carlos Augusto Costa, pesquisador da FGV.
A última questão, que também incomoda mesmo a alguns representantes do neuromarketing, é o ataque total que muitos dos donos de empresas da área fazem às antigas de pesquisas de opinião. Em geral, acadêmicos, com interesses financeiros menos diretos, são mais ponderados.
Costa e seu colega de FGV Marcos Antunes, por exemplo, defendem que não dá para jogar 70 anos de experiência em pesquisa de opinião fora. Zurawicki diz que a atividade cerebral por si só pode ser até mal interpretada sem falar com as pessoas: prestar mais atenção a um anúncio sempre significa, de fato, mais vontade de comprar?
Diz um professor que pediu para não ter seu nome divulgado: “O dinheiro é sempre limitado… Aí o cara diz ao cliente que pesquisa de opinião é inútil, que tudo tem de ir ao neuromarketing. É preciso equilíbrio”.
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Ricardo Mioto, da Folha de S.Paulo