As redes de televisão estão, nesta semana, estendendo o tapete vermelho a dezenas de celebridades e centenas de anunciantes que assistem às suas “pré-estreias” anuais de vendas. Esse ritual, praticado há décadas com festas extravagantes, inaugura um mercado anualmente renovado, em que as redes de TV americanas vendem 75% – ou dezenas de bilhões de dólares – de seu estoque de tempo para comerciais da próxima temporada. O espetáculo caracteriza-se por um marcante contraste com o surgimento de novos sistemas baseados em uma tecnologia denominada “compra programática”, que imita bolsas de valores e usa sofisticados algoritmos para a compra e venda de anúncios em tempo real.
Estão ficando no passado os dias em que os executivos do setor publicitário eram paparicados com festas extravagantes e quando havia chances de aparecer ao lado de celebridades. Surge uma nova era em que dados estatísticos e tecnologia prevalecem na definição dos orçamentos publicitários. Alguns executivos da área publicitária preveem que à medida que a mídia se torna mais digital, grande parte da publicidade, inclusive comerciais de TV, passará a ser negociada por meio desses sistemas. Isso teria profundas implicações para os negócios de mídia e publicidade, que movimentam US$ 518 bilhões, mudando não apenas o valor comercial de programas de TV, mas afetando os tipos de programas que vão ao ar.
Hoje, são poucos os comerciais de TV comprados e vendidos por meio de sistemas programáticos. Mas as velhas formas de negociar estão sendo ameaçadas pela proliferação dos meios de comunicação, e uma série de novas empresas, como Google, Facebook e AOL, oferecem anúncios em vídeo digital.
A “compra programática”
“O setor está na vanguarda de uma grande transformação”, diz Tim Spengler, presidente-executivo mundial da Magna Global, unidade de compra de mídia do grupo Interpublic. “Os próximos anos serão evolutivos, depois serão revolucionários. A tecnologia vai impor isso.”
Essas “feiras de publicidade” são um legado dos anos 60, retratadas na série de TV Mad Men, com Don Draper. As emissoras alinhavam suas temporadas de estreia com os lançamentos de carros novos no fim do ano, na tentativa de faturar as grandes somas que as montadoras gastavam em comerciais de TV. As redes começavam a vender pacotes de tempo de publicidade em maio para inserção nos programas de fim de ano, dando aos marqueteiros meses para preparar suas campanhas.
Os preços da publicidade inflaram incessantemente, ano após ano, e a “feira” antecipada tomou proporções extravagantes. Em protesto contra os aumentos de preços, a agência J Walter Thompson fez um boicote em meados dos anos 70, na expectativa de negociar individualmente preços melhores. O tiro saiu pela culatra. A JWT pagou mais caro e o episódio continua a ser um conto de advertência para anunciantes que, ano após ano, retornam à “pré-estreia” dessa feira e aceitam preços mais altos para a publicidade, apesar das quedas de audiência. A rápida ascensão da “compra programática”, porém, tem levado executivos a repensar sua política de compra de tempo de veiculação de anúncios na TV.
A transição para o mundo off-line
Quase 25% dos dólares gastos em marketing para exibição de anúncios on-line já são administrados por tais sistemas, de acordo com a eMarketer. A Xaxis, operação de compra programática da WPP, gera um faturamento anual superior a US$ 400 milhões. O grupo agora compra anúncios na web, em vídeo on-line, nas mídias sociais, em telefonia celular e em rádio. A publicidade na TV está no horizonte, diz Brian Lesser, diretor-executivo da Xaxis. “Compra programática é apenas um meio mais eficiente de comprar anúncios e oferecer a mensagem mais apropriada à pessoa mais adequada”, diz Lesser.
Uma mudança pode enfrentar muita resistência. Os anunciantes ainda estão inclinados a comprar tempo de publicidade na TV, o que os ajuda a atingir grandes plateias. É improvável que as redes abram espaço para vendas negociadas por algoritmos, o que reduziria os preços. E os sistemas tecnológicos ainda estão em desenvolvimento.
Jason Maltby, presidente de compra de mídia na Mindshare, da WPP, diz: “Esse modelo é sustentável. Nas próximas semanas, os anunciantes gastarão dezenas de bilhões de dólares com TV tradicional.” Mas para o início de uma onda de mudança bastará que os grandes marqueteiros comecem a testar a compra de anúncios de TV via sistemas programáticos.
Michael Kassan, executivo-chefe da consultoria MediaLink, diz: “Este ano pode ser o ponto de inflexão, quando a compra programática, historicamente presente no território online, fará a transição para o mundo off-line. A tendência natural é de resistência a mudanças, mas não acho que se possa deter. Essa dinâmica está ganhando corpo. As emissoras não terão alternativa.”
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Emily Steel, do Financial Times, em Nova York