Assim como Claudio Bernabucci diz, ironicamente, ter como fonte de inspiração o maior jornal do Rio de Janeiro, eu digo, sem ironia, que ele, por igual, serve-me como inspiração por tocar nas suas crônicas temas que também me tocam. No momento, inspirou-me a sua crônica “Os Assaltantes”, que aborda a questão do imposto visto como um vilão pelos conservadores e de como apenas o Estado e o governo são ardilosamente embaralhados como se fosse a mesma coisa – isto é, o principal culpado pelos que o enxergam como agente responsável por pura e ilegítima extorsão. Daí em diante, estes indignados alinham um arsenal de hostilidade e grosseria típicas de conversas de botequim que, ressalte-se, são alimentados e potencializados pela grande mídia que vê neste entendimento crítico esposado pela classe média conservadora e de direita o habitat perfeito para disseminar o ódio ao Estado e à esfera pública em geral.
Não adianta demonstrar, como faz didaticamente Claudio Bernabucci, que “a carga tributária, ou seja, a relação porcentual entre o somatório de todos os impostos e a riqueza produzida por um país, é no Brasil muito menor que em outras economias de destaque. Em 2012, foi de 36% mas na Europa tal relação transita tranquilamente acima de 40%, tocando 45% na França e 46% na Alemanha, até chegar 55% no caso da Suécia, citada pelo Globo na ridícula comparação com o Brasil”. Ele cita aqui uma crônica publicada no jornal O Globo, de badalada comentarista que conclui que no Brasil se pagam “impostos suecos por serviços dignos de Afeganistão”.
Perfeito o enquadramento do cronista neste particular quando diz: “É notório, enfim, que a taxação progressiva e direta constitui elemento de equidade democrática e distribuição de renda. O Brasil, ao contrário, é um dos países com os impostos mais regressivos do mundo, ou seja, onde os pobres, através dos prevalentes impostos indiretos (no consumo e na produção) pagam muito mais que os ricos. Qualquer jornalista de média cultura deveria conhecer essa realidade e o fato de ignorá-la explica-se só com grande ignorância ou profundo preconceito. No caso dos donos do poder, não: trata-se de pura má-fé.” À frase “qualquer jornalista de média cultura deveria conhecer essa realidade”, eu acrescentaria que qualquer um medianamente informado deveria saber disso e ajudaria muito se a mídia exercesse adequadamente o papel de formar e informar, e não apenas de buscar o lucro a qualquer preço e defender o interesse dos 1% mais ricos.
Esnobe e discriminadora
Mais importante ainda é a sua afirmação de que “o Estado brasileiro é patentemente refém desses patrões que, controlando o Parlamento, impedem qualquer reforma fiscal mais equilibrada e democratizante. Como se sabe, o destinatário dos impostos é o Estado, e não o governo vigente, como a comentarista carioca afirma, levianamente”. Aqui, permito-me discordar, parcialmente, e dizer que a afirmação da comentarista carioca não é leviana. É uma afirmação malandra, no mau sentido, de alguém que sabe haver leviandade, mas que ao cometê-la atende à ideologia do patrão e, no mais das vezes, à sua própria. Pior, esta comentarista carioca sabe que a recepção do leitor adestrado de jornalões recebe sua leviandade como informação digna de crédito e aquele com mais discernimento, mas de direita, percebe a leviandade, porém aplaude qualquer ação que contribua na luta contra o inimigo ideológico. Sobre a recepção do brasileiro médio, William Bonner já se manifestou que o vê como “Homer Simpson, alguém com dificuldade para entender siglas e coisas mais ‘complexas’”.
Arrisco a dizer que estes dois sujeitos, o enquadrado por William Bonner como brasileiro médio e o culto, mas de direita, padecem, além de ignorância ou de preconceito, e, talvez por isso, de um sentimento de identificação com os interesses dos 1% mais ricos que o leva a não enxergar, a condenar nada que não se enquadre nestes (des) valores. Este sentimento de pertença a uma elite branca e podre, como bem disse o conservador Claudio Lembo, leva-os a aceitarem qualquer ação por mais desqualificada que seja, desde que esta seja capaz de aplacar seu temor, capaz de impedir, real ou imaginariamente, qualquer avanço, por mínimo que seja, dos direitos da classe pobre, da “senzala”, das novas classes médias que ascenderam social e economicamente nestes últimos anos. Na sua ótica, qualquer avanço destes significa diminuição da sua posição de distinção. Daí resulta “toda a grita” contra um sujeito como Lula, um retirante nordestino com todos os predicados desqualificadores demais para uma classe esnobe e discriminadora como é a elite brasileira, contra Bolsa-Família, contra os impostos, contra pobres demais nos aeroportos, contra o Estado.
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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS