Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O melhor e o pior do jornalismo

Neste fim de semana, li uma grande e uma pequena reportagem.

A grande foi a matéria “A Doutora”, de Daniela Pinheiro, na revista Piauí. Narra a história da médica Virginia Helena Soares de Souza, diretora da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, apelidada de “doutora morte”.

A matéria relata de forma ampla a maneira como o estilo rude, porém profissional, da médica criou mágoas em parte dos funcionários, resultando na denúncia da fisioterapeuta Karina Casser, de que ela assassinaria doentes terminais para conseguir vagas em leitos.

Mostra, em seguida, a escandalização promovida pela mídia, condenando-a sem direito à defesa. Não escapa ninguém, dos veículos da Globo ao Estadão, Folha, Veja, Terra, em um festival mórbido de desinformação.

Mostra, também, a subordinação total do Ministério Público a qualquer coisa que veja da mídia. Bastou virar manchete para formar a convicção de promotores, antes mesmo de iniciar as investigações.

Uma aula de jornalismo, contemplando todos os pontos de vista, todas as visões, dando voz à acusada e aos acusadores e aos especialistas e desbastando, com rara competência, os limites entre a ortotanásia e o assassinato. Descreve os procedimentos em UTIs que podem ter dado margem às acusações, mostra que nenhum acusador apresentou uma prova sequer, ficando no “ouvi dizer”, e revela que, financeiramente, a morte antecipada de pacientes era um mau negócio.

Diário pessoal

A pequena matéria que li foi a reportagem de capa da revista Época sobre o relevante episódio de como o padre Marcello venceu a depressão graças à sua crença em Deus. É a parte principal de uma matéria sobre tema mais interessante que a depressão do padre Marcelo.

Mas o filé mignon são duas páginas em que o padre dá uma aula completa de vaidade, futilidade, falta de humildade enfim, um conjunto de características que poderiam muito bem ser enquadradas em alguns dos pecados capitais do Evangelho.

Marcelo conta, com riquezas de detalhes, como torceu o tornozelo, como sua preparação em artes marciais permitiu proteger a cabeça (mas não o tornozelo) na hora do tombo. Como ficou deprimido por não poder ir a Roma ser condecorado pelo papa com o título de “evangelizador moderno do ano”, como a Igreja Católica valoriza seu trabalho, como (injustiça gritante!) a Arquidiocese de São Paulo impediu-o de se aproximar do papa Bento 16, em 2007, como recebeu convites de parceria do Google e do Facebook.

E tudo isso foi colocado, de modo trepidante, em um diário pessoal, que em breve será lançado no mercado pela mesma editora que lançou seu primeiro livro, sucesso de vendas – a Editora Globo, que publica a Época.

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Luis Nassif é jornalista