Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Temos que manter a diversidade de opiniões’

Em clima intimista, Ancelmo Gois, de O Globo, recebeu estudantes e profissionais de jornalismo para falar sobre a busca diária de notícias. Prestes a completar 65 anos de idade e 50 de carreira, o sergipano é destaque no jornalismo brasileiro e sua coluna é referência na mídia, misturando furos de política, economia e cenas cariocas. Habituado a antecipar os fatos, ele trabalha, em média, 12 horas por dia e garante que “ ser jornalista é a melhor coisa do mundo”. O encontro foi realizado segunda-feira (3/6), na Casa do Saber, no Rio de Janeiro.

“Não acredito em isenção, creio na pluralidade”

Sobre a atual situação do jornalismo, Ancelmo acredita que o Brasil tem vivido um momento favorável. “Vejo um profundo respeito pela liberdade de imprensa por parte de todos os últimos presidentes, se comparado aos outros países da América Latina. Acredito que o nível de jornalismo aumentou muito nos últimos anos. Quando cheguei no Rio de Janeiro, em 1971, as bancas de jornal eram do tamanho dos meus braços abertos, agora você encontra cada uma do tamanho de uma livraria. São dezenas de títulos, ramificações. Quero mais é que tenham rádios comunitárias, revistas especializadas. A mídia ganha com isso”.

O colunista vê a existência de isenção no jornalismo como algo irreal. “Creio na pluralidade. Essa imparcialidade só existiria se o jornal do Vaticano falasse com o diabo, com os ateus. Mas não fala, e nem acho que deve. Temos que manter a diversidade de opiniões”.

Durante o bate papo, Ancelmo falou sobre o início da carreira, na Gazeta de Sergipe, aos 15 anos de idade. Quando conheceu o jornalismo, já tinha contato com a política. “Naquela época, as duas coisas se misturavam. Meu pai, Euclides Gois, foi político em Frei Paulo, minha cidade natal, e o jornal tinha uma forte base socialista. No começo, eu fiquei dividido”, contou.

Ancelmo soma experiências como titular do ‘Informe JB’, no Jornal do Brasil, e como chefe do escritório da Veja no Rio, função que acumulou com a coluna ‘Radar’. Em 2000, participou do grupo que criou a NO (Notícias Opinião) na internet, ao lado de Elio Gaspari. “Era a união de alguns investidores para criar a primeira revista digital brasileira, inspirados na norte-americana Slate. Era uma oportunidade muito vantajosa, o novo mercado que surgia oferecia altos salários”.

Na época, o cenário era de grandes transformações. “Foi uma experiência muito enriquecedora, porque o contato com o leitor é completamente diferente. Eu achava que ninguém me lia, ficava gritando com o computador ‘pelo amor de Deus, tem alguém aí?’”, lembrou o jornalista, arrancando risos da plateia. As mudanças também foram percebidas no contato com as fontes. “Uma coisa é você ligar falando que é o Ancelmo Góis da Veja, outra é ligar dizendo que é do NO. As pessoas perguntavam ‘O que é isso?’. Eu tinha uma fonte na Receita Federal que deixou de me atender”.

“Eu queria ser o colunista do Rio”

Após cerca de 500 dias de trabalho no NO, Ancelmo foi convidado para assumir o lugar de Ricardo Boechat em O Globo. “Ele foi muito generoso comigo, me deu dicas. Um grande amigo. Desde o início, minhas conversas com o Merval (Pereira, que dirigia a redação) foram direcionadas para escrever uma coluna sobre o Rio. No JB, eu era o colunista do Brasil, na Veja, falava com a classe média de São Paulo, e no Globo, eu queria fazer uma coisa bem bairrista”.

Aos poucos, o espaço no Globo começou a ganhar a personalidade de Ancelmo e passou a contar com fotos e bordões. “Comecei a colocar os leitores na coluna, o Jardim Botânico, os bares que estavam ocupando as calçadas. Adoro escrever aquele ‘É, pode ser’ quando eu não concordo muito com alguma coisa. Sempre gostei de usar adjetivos para classificar as pessoas. O jornalismo brasileiro cuida muito mais da pessoa jurídica do que da física, quando, na verdade, você conhece muito mais sobre determinado negócio quando identifica o caráter de quem o comanda”.

A coluna é feita por uma “super equipe de quatro pessoas”, que ainda atualiza o Blog do Ancelmo, o terceiro mais acessado do site do jornal, atrás apenas da Patrícia Kogut e do Ricardo Noblat. “Eles passam a maioria do tempo trabalhando para dizer ‘não’. Mesmo se tivesse dez, ainda seria pouco. Recebemos mais de 1.000 e-mails por dia, vários telefonemas”, comentou.

“Nasci no papel e quero morrer no papel”

Estruturada para falar um pouco de tudo, a coluna é um “espelho do Globo”. “Tento equilibrar esporte, economia. Tem umas cinco ou seis notas que coloco mesmo achando que tinha coisas melhores. Misturo, sacrifico algumas. Se tenho uma notícia boa, tento segurar para o papel, mas é muito difícil garantir um furo por duas horas”. Sobre o embate entre mídia impressa e eletrônica, Ancelmo adianta sua devoção. “Nasci no papel e quero morrer no papel. Todo mundo fala bem da internet, mas gosta mesmo é que saia no jornal. Esses americanos dizem que em 2035 vai ser tudo online. Não estou preocupado, talvez eu nem esteja mais aqui”, brincou.

Lidar com a grande quantidade de contatos recebidos não é tarefa fácil. A maioria das informações precisa ser checada, até mais de uma vez. “Muitas pessoas procuram a coluna com interesses escusos e aí a fonte se queima. Não é fácil pegar um cara velho como eu e enganar. A gente vai criando mecanismos contra isso”.

Ciente do prestígio e influência de sua coluna, o jornalista revela o cuidado com as palavras usadas. “Acordo todo dia preocupado e atento ao poder de fogo desse espaço. Já passei muita noite mal dormida me perguntando ‘será que prejudiquei alguém?’ Eu queria mudar o mundo. Hoje, evitar que uma árvore caia é grande coisa. Não vou fazer uma revolução, mas se melhorar a vida dos moradores de uma rua já estou feliz”.

“O estudante tem que entrar na redação e ficar fascinado”

A maior referência de Ancelmo para a maneira como escreve foi o jornalista Zózimo Barrozo do Amaral, com quem trabalhou no Jornal do Brasil. “Foi a pessoa que melhor se expressou no Brasil em poucas linhas. Ele fez parte da transição do colunismo social para o tipo de coluna que faço hoje. Ele me inspirou no uso de algumas expressões. Outro grande exemplo é o Ibrahim Sued, que conseguiu transformar o espaço dele em coisas interessantes porque tinha acesso a boas fontes”.

Ancelmo costuma dizer que crê na evolução da classe. “A geração nova de jornalistas é melhor do que a minha, e a outra será melhor ainda. Até hoje, apesar de ter feito uns 30 cursos, eu não falo inglês, coisa que essa garotada toda já tem. Se eu tivesse que dar dois conselhos para os que estão começando, diria que tem que espantar a preguiça, uma das coisas mais detestáveis que existe. Eu abomino. E outra, é que tem que achar graça no que faz. O estudante tem que entrar numa redação e ficar fascinado com aquilo, não pode ficar olhando para o relógio. Tem que esquecer da hora”.

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Jacqueline Patrocínio, do Comunique-se