Impressionante a repercussão e as leituras que vi serem feitas da vaia que a presidente da República levou no estádio de Brasília. Vi vários respeitáveis posicionamentos no sentido de que a vaia era um desrespeito, alguns mencionando, inclusive, se tratar de desrespeito ao Estado brasileiro, representado pela presidente. No mundo multicultural, se prega aos quatro ventos que as culturas devem ser respeitadas. Quando importamos a Copa do Mundo, vemos alguns de nossos hábitos culturais serem tidos por desrespeito para com os demais, ao mesmo tempo em que vemos nossa cultura ser pisoteada sem pudores pela toda poderosa Fifa. O próprio slogan da Copa 2014, “Juntos Num Só Ritmo”, demonstra total desconhecimento de nossa cultura. Mais apropriado à nossa cultura multifacetada seria Juntos em Todos os Ritmos.
É certo que em alguns países não se vê torcidas vaiando nem mesmo o time adversário. Nos jogos da NBA, quando o time da casa está sem a bola a torcida grita “defesa, defesa, defesa…”. Alguém já imaginou isso sendo feito aqui por nossas torcidas no futebol? Por aqui, vaiamos o time adversário enquanto estiver com a bola, é da nossa cultura e não influi nos direitos individuais de ninguém. Quem vier aqui terá que conviver com isto, pois, como dizia Nelson Rodrigues, em estádio de futebol no Brasil se vaia até minuto de silêncio.
Como em qualquer análise que se faça de atos passados, não podemos afastar o ato do contexto em que se realizou. Participei do movimento estudantil, de diversas lutas políticas e ocupei cargos públicos, portanto já estive dos dois lados, vaiei e fui vaiado, mas devemos verificar se o contexto em que se dá a vaia é de desrespeito ou de protesto legítimo. E nessa minha experiência de vaiar e ser vaiado, defendo com convicção a posição de que a única vaia desrespeitosa é aquela em que se impede o vaiado de expor sua opinião, de apresentar seus argumentos ao debate público, fato que, diga-se, é comum ocorrer nos congressos estudantis que legitimam que o PCdoB, com sua “enorme” base social, presida a União Nacional dos Estudantes há mais de 30 anos.
A vaia mais longa
Aqui em Pernambuco, vimos isto ocorrer no lançamento da pedra fundamental da Refinaria Abreu e Lima, quando a claque convocada para aquele ato não permitiu que o governador Jarbas Vasconcelos pronunciasse seu discurso. Não consideraria desrespeito vaiá-lo diante da menção ao seu nome, ou ao final do seu discurso, mas impedi-lo de discursar, mais do que desrespeitoso, é antidemocrático.
A vaia em resposta a um discurso ou à simples menção ao nome de alguém, me parece o mais pacífico e eficiente meio de protesto ou de demonstração de opinião pública. No contexto em que foi vaiada, discursando ou pretendendo discursar em eventos esportivos, convenhamos que tal discurso representaria tão somente a tentativa de capitalizar politicamente o momento, sendo, portanto, legítima a demonstração de insatisfação dos presentes. Nesse contexto, a vaia é tão legítima quanto o aplauso. Lembro que o grande movimento que foi às ruas de preto no dia 7 de setembro pugnando pela renúncia do presidente Collor não passou de uma grande vaia, onde o pedido do presidente de que todos vestissem verde e amarelo no dia da independência foi respondido com um luto nacional.
A vaia não deixa mortos ou feridos, não contém nenhum xingamento de ordem pessoal, nem pode ser desfeita por bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo ou de pimenta. Até mesmo a ausência de razão explícita para a mesma gera em seus alvos no mínimo uma reflexão. Sugiro que os manifestantes que estão nas ruas pensem em maneiras de aperfeiçoar seu uso, cerquem os palácios e marquem eventos com chamadas assim: “No próximo dia tal, grande vaia ao político Fulano de Tal, pela ações e omissões tais ou quais.” Em breve até surgirão no Guinness Book os registros da vaia mais longa e da mais populosa.
Desconfio que estes recordes serão do Brasil. Será que dá para incluir a vaia como esporte olímpico para 2016?
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Raul Bradley da Cunha é advogado, Recife, PE