Beverly Hills, 11h – O gaúcho Rafael Fontoura espera dentro de seu Prius, estacionado na sombra em frente de um condomínio fechado, num bairro de luxo em Los Angeles. São duas horas de espera e muita conversa mole ao celular. O tédio parece sem fim. Até que a BMW preta, placa final 032, sai pelo grande portão: “Estourou!”, ele diz, acelerando seu veículo híbrido. Outros dois carros se juntam ao de Fontoura numa corrida maluca pelo BMW. Furam os sinais vermelhos, param em fila dupla e descem correndo com suas câmeras para o grande final.
Fontoura, 31, mudou-se para a Califórnia há oito anos. Veio com amigos para surfar e aprender inglês. Acabou ficando ao arrumar emprego no delivery de uma pizzaria e se estabeleceu de vez, mais tarde, ao conhecer a vida de paparazzo, seis anos atrás.
“Na época rolava muita grana. Hoje é mais difícil, porque tem muito mais gente”, conta o fotógrafo, que há dois anos obteve um “greencard”, após se casar com uma brasileira de dupla cidadania. “Você fica sabendo do trampo pelo boca a boca. Alguns paparazzi brasileiros, como um amigo meu, vieram por causa do jiu-jítsu, para dar aula, e isso não dava dinheiro.”
A comunidade de brasileiros é grande entre os paparazzi, embora ninguém saiba ao certo quantos são. Os profissionais em atividade estimam que o número tenha caído pela metade depois do auge dos anos 2000 (especialmente entre 2005 e 2007), quando mais de 50 dos 200 fotógrafos de rua eram brasileiros. O mercado deixou de ser uma mina de ouro, e muitos voltaram para casa. Uma foto de Paris Hilton que podia valer US$ 1.000 na década passada agora não passa de US$ 100.
“Brasileiro tem fama de briguento, mas é bem discreto. É que a maioria não leva desaforo para casa. O que mais tem agora são mexicanos, e eles trabalham em bando, é uma praga”, conta. “E tem os armênios, doidos da cabeça, gritam, chegam com som alto, a história vira uma zona.”
Denis Castro, outro gaúcho que veio para estudar e surfar, é considerado o primeiro paparazzo brasileiro em L.A. Começou em 2001 com uma máquina que ainda usava filme e, há dois anos, abriu uma agência com um amigo, a Beverly News.
“Quando cheguei eram só uns 15 fotógrafos de rua. O que rolou foi que cada um foi trazendo três, quatro amigos”, conta Castro, 31. Ele próprio introduziu colegas no negócio, como um manobrista de restaurante e um empacotador de supermercado.
Uma de suas primeiras fotos foi um flagra de Britney Spears saindo da boate com o namorado novo da ocasião, em 2001. Fez mais de US$ 20 mil em duas semanas com as imagens. “O dono da agência deve ter feito uns US$ 150 mil”, diz.
Beverly Hills, 13h30 – É Reese Witherspoon quem desce da BMW 032 e entra num salão de beleza do Santa Monica Boulevard. A atriz usa vestido vermelho e sorri para os três paparazzi. Os fotógrafos, brasileiros de agências rivais, vão almoçar juntos num restaurante ao lado, enquanto a esperam. Ela sai do salão uma hora depois, e eles correm para fazer mais fotos. A atriz dá tchauzinho ao entrar no carro e, na despedida, ainda diz para Fontoura: “Por favor, seja cuidadoso, não fique no meio da rua, não vale a pena”.
Witherspoon fazia menção a Chris Guerra, paparazzo americano de 29 anos que morreu atropelado em janeiro ao tentar fotografar Justin Bieber em sua Ferrari. O caso comoveu a classe e serviu de desculpa para celebridades tentarem impor, sem sucesso, mais controle.
“Não há muita diferença entre o fotógrafo de guerra e o paparazzo. Claro que um é considerado herói. Mas é tudo fotojornalismo”, disse o inglês Frank Griffin, 62, ex-paparazzo que mora em L.A. há 20 anos e é cofundador da agência Bauer-Griffin. “É absurdo quererem criar mais leis para que Justin Bieber tenha uma vida mais confortável.”
Leis
No final dos anos 1990, após a princesa Diana morrer num acidente quando seu carro era perseguido por fotógrafos em Paris, as leis contra paparazzi começaram a mudar nos EUA. Foram ampliadas as penas para quem captar imagens em propriedade privada e, mais recentemente,também para quem as publicar.
Castro lembra bem das horas que passou tentando fotografar Penélope Cruz de biquíni e Matthew McConaughey sem camisa em suas casas. “Cheguei a ficar quatro horas em cima de uma árvore. Ninguém faz mais, porque ninguém publica”, conta o gaúcho, que há dois anos não sai às ruas para fotografar, já que agora administra a agência. Mas ele ainda sabe de cabeça as marcas e os finais das placas dos carros de Jim Carrey (Mercedes, 888) e Britney Spears (Ford Excursion, 037). “Perdi o gosto por tirar fotos.”
Beverly Hills, 14h40 – Depois do salão de beleza, Witherspoon volta para seu condomínio fechado, seguida pelos paparazzi. Fontoura aproveita a internet aberta de uma casa vizinha para mandar, do carro mesmo, duas dezenas de fotos da atriz, quase todas iguais. Em seguida, ruma para Brentwood, o bairro loteado em condomínios de ultra luxo onde ficam as casas dos ricos e famosos. Em um centro comercial da região, Fontoura escaneia as placas dos carros, à cata de alvos. Numa esquina, um paparazzo munido de binóculos toma sorvete.
Naquela região, ele já fotografou Harrison Ford e Arnold Schwarzenegger. Hoje, cruza com Marcia Cross, a ruiva do extinto seriado “Desperate Housewives”, tomando café numa lanchonete. “Ela só vale se estiver com as crianças. Sozinha não pega nada”, diz. Cross sai do café, vê a câmera e faz cara feia. Seu carro está estacionado em local proibido.
“Chata mesmo é a Gisele Bündchen: ela não gosta de dar foto de jeito nenhum”, conta o paparazzo, que teve um carro totalmente destruído num acidente ao perseguir o veículo da modelo pelas ruas de L.A. (Em vão: no final, soube que era o marido, o jogador de futebol americano Tom Brady, quem estava ao volante). “Ela fala comigo em português mesmo. Pede para eu não tirar [fotos] na entrada, promete que vai me dar na saída e aí tenta despistar de qualquer jeito, dificulta. Então eu já chego dando flash na cara dela.”
Traumatizados
Histórias de famosos traumatizados por paparazzi não faltam. Ainda assim, o professor Henry Jenkins, que lidera o programa de mídias comparativas do MIT, acredita que faz parte do trabalho da celebridade ser assunto de fofoca.
“Não vivemos mais em vilarejos, não falamos mais sobre nossos tios. A celebridade é quem eu e você temos em comum”, explica Jenkins. “Mas a pessoa sobre quem fofocamos é menos importante do que a troca que ocorre entre nós, a conversa. Ela é apenas um veículo para compartilharmos nossos valores”, opina o professor.
O inglês Griffin, que antes de ser paparazzo foi fotógrafo particular do músico Prince por dois anos, se ampara na recordação dos anos loucos em que traficou drogas na Tailândia para falar do vício em revistas e sites de fofocas. “É uma questão simples de economia. Há demanda”, diz. “Por US$ 2,29 você pode comprar uma revista e, por cinco minutos, se transformar em Jessica Simpson, que era gorda e agora está magra. Ou você pode comprar álcool ou drogas e ficar doidão. É tudo uma libertação da normalidade. Nem todo mundo vive uma vida fácil.”
Beverly Hills, 17h18 – A imagem de Reese Witherspoon é publicada no site do tabloide britânico “Daily Mail” e em dezenas de outros veículos. “Radiante em vermelho!”, diz o título da nota assinada por uma jornalista (que não estava no local), contando detalhes sobre como a atriz se mostrava relaxada e em boa forma física meses depois de ter um bebê. Abaixo do texto, 15 pessoas escreveram comentários nas 24 horas sucessivas à postagem –dez nas primeiras quatro horas, e só.
Em Los Angeles, há uma meia dúzia de agências que contrata os fotógrafos de maneira informal, para depois revender as fotos produzidas para revistas e sites do mundo todo. Às vezes, pagam aos paparazzi um adiantamento fixo por mês (entre US$ 2 mil e US$ 4 mil), emprestam carro e prometem uma porcentagem das vendas –os profissionais reclamam de quase nunca terem acesso aos relatórios.
“O paparazzo é um ser bem perdido. Eles escutam que fulano fez mais, acham que zezinho está roubando, e aí mudam de agência. Fica aquela paranoia”, conta Castro, cuja agência, a segunda liderada por um brasileiro em L.A., conta com dois funcionários administrativos e oito fotógrafos “freelance” –incluindo um brasileiro ex-lutador de jiu-jítsu. “O business deu tantas voltas que ninguém sabe o que fazer.”
Ele cita como exemplo a época mais caótica que enfrentou em seus anos no negócio. Entre 2006-2007, quando Britney Spears entrou numa espiral destruidora, a cidade lotou de paparazzi. Em frente à casa da cantora, eram uns 30 de plantão. As imagens exclusivas de Britney raspando a cabeça teriam rendido US$ 400 mil para a agência X17 só no primeiro mês, e US$ 50 mil para o paparazzo brasileiro que a vendeu, segundo o documentário “$ellebrity” (2012).
Quando a bolha da “era Britney” estourou, após o pai intervir para conter a cantora, sobraram paparazzi pela cidade, e as fotos se desvalorizaram. Um conjunto de imagens valia US$ 150, e era difícil obter exclusivas.
Hoje, melhorou, mas a concorrência segue forte –ainda mais com alvos cotados, como Kim Kardashian e o casal Brad Pitt-Angelina Jolie negociando a própria imagem diretamente com as publicações. “Dá para fazer US$ 10 mil por mês se você trabalhar 16 horas por dia”, diz Castro. Mais do que as celebridades, conta ele, o que os paparazzi mais perseguem hoje é “a sorte de fazer uma foto de 1 milhão”.
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Fernanda Ezabella, 32, é correspondente da Folha de S.Paulo em Los Angeles.