Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

‘Folha’ debate cobertura de protestos de rua

Numa das mais extensivas coberturas de sua história, a Folha envolveu 185 jornalistas para trabalhar no relato dos protestos de rua pelo país durante o mês de junho.

Foram montadas equipes especiais e quase todas as unidades editoriais do jornal, em São Paulo e em outras cidades, cederam profissionais para reforçar a operação.

Depois dessa experiência, os profissionais da Redação da Folha participaram na quinta-feira (4/7) do seminário “País em protesto: análise da cobertura”. O objetivo foi debater aspectos negativos e positivos da cobertura jornalística dos protestos de rua.

Tradicionalmente, a Folha organiza seminários internos como esse para avaliar coberturas de grande impacto ou que tenham provocado controvérsia. Encontros anteriores debateram o caso escola Base, cujos donos foram acusados em 1994 de terem abusado sexualmente de alunos, e o caso de Paula Oliveira, a brasileira que em 2009 simulou ter sofrido um ataque de neonazistas na Suíça.

O editor de Cotidiano, Alan Gripp, relator do encontro da semana passada, detalhou como foi a rotina dos profissionais, os procedimentos adotados e as dificuldades para produzir o noticiário sobre um fenômeno raro no país.

Gripp lembrou que um dos organizadores iniciais dos atos, o Movimento Passe Livre, já havia estado nas páginas da Folha: “Desde 2004, o MPL foi citado ao menos dez vezes no noticiário do jornal”.

Líderes do movimento publicaram dois artigos na seção “Tendências/Debates” da Folha, o primeiro em 2011 e o segundo em 13 de junho, dia em que a Polícia Militar reprimiu com violência uma manifestação em São Paulo.

Redes sociais

Um dos tópicos mais debatidos no seminário foi a capacidade que os jornalistas precisam desenvolver para captar o que se passa nas redes sociais na internet –”ecossistema” no qual brotaram os atos e de onde vieram as convocações para a ida às ruas.

Para Gripp, a dificuldade de captar o início do movimento com clareza foi um dos obstáculos. Ele aponta o que teria sido o “principal acerto” da Folha na cobertura:

“Foi o tom assertivo, ao contrário da concorrência, em apontar a reação violenta da polícia ao terceiro protesto de São Paulo, na edição de 14 de junho. A Folha foi acusada de ter mudado de tom porque repórteres do jornal foram feridos, mas foi muito mais: o que nossos repórteres constataram é que até quem não participava nem cobria os protestos foi vítima da violência policial.”

De 7 a 30 de junho, a Folha publicou 198 páginas cujas manchete principal era relacionada às manifestações. O concorrente local, o jornal O Estado de S. Paulo publicou 159 páginas dentro dessa mesma definição. No Rio, O Globo teve 158 páginas.

Durante momentos mais dramáticos, uma dificuldade enfrentada por repórteres foi o envio de vídeos para o site da Folha. A conexão à internet ficava congestionada. “Fomos procurar alternativas para que as imagens pudessem ser mostradas de forma rápida”, disse Gripp.

Na avaliação do editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, “uma das conclusões do seminário é que a cobertura da Folha deve balancear melhor a atenção dada a assuntos de política palaciana e aquela dada ao que se passa nos novos movimentos sociais”.

Movimento das ruas

Sobre a dificuldade em ter detectado o movimento das ruas mais rapidamente, o secretário de Redação Rogério Gentile afirmou que esse é um desafio antigo do jornais.

“Só entendemos o efeito real do Bolsa Família quando o então presidente Lula já estava quase reeleito em 2006. Em 2012, a queda de Celso Russomanno na disputa pela Prefeitura de São Paulo só foi mesmo vista quando ele já estava liquidado”, disse.

Para Gentile, “as redes sociais têm força de mobilização”. “Mas não podemos subestimar a força do jornalismo. Até aquele grande primeiro protesto, o movimento tinha conseguido reunir 1.000 pessoas. Só depois de a imprensa mostrar a violência exacerbada da polícia a população se indignou e foi para as ruas”.

Dávila perguntou se “isso tudo era previsível”. E, se fosse, se o jornal faria “um caderno sobre as manifestações que vem por aí?”.

O colunista da Folha Marcelo Coelho disse ter considerado a cobertura dos protestos “muito bonita, bem feita”.

Apontou, entretanto, alguns problemas, entre eles, o fato de o jornal às vezes ficar “um pouco preso a planilhas e tabelas” e a declarações oficiais sobre custos e receitas públicas. “Não digo que a reivindicação do passe livre esteja correta, mas falta um pouco ceticismo e a desconfiança quando eles [governo] falam que não dá.”

Ainda assim, uma das conclusões do seminário foi que a Folha precisa modular melhor a energia que gasta cobrindo o establishment e a política tradicional e quanto passará a investir para conhecer melhor o que se passa na internet. “Talvez seja mais importante cobrir mais as redes sociais e menos o PR ou outros partidos”, resumiu o repórter Mario Cesar Carvalho.