Na sequência de algum quiproquó em campo, o narrador do futebol pela TV anuncia com orgulho que vai passar as “imagens recuperadas” do jogador X dando uma banana para a torcida. Ou do bandeirinha Y tirando ouro do nariz. Dá a entender que há câmeras por todo o estádio e que até o menor detalhe está sendo capturado. E está mesmo. Mas por que dizer que essas imagens foram “recuperadas”?
Imagens “recuperadas” deveriam ser aquelas que se julgavam perdidas há décadas ou que nem se sabia que existiam. Como cenas a partir do convés do Titanic durante seu afundamento, em 1912, que tivessem ido para o fundo do mar junto com os Laliques e Gallés, e só há pouco descobertas. Ou as de Getúlio Vargas, já de pijama e chinelo, a minutos de se matar com o tiro no peito, em 1954, tomadas por Virginia Lane, por acaso debaixo da cama de Getúlio no Catete. Ou o áudio e o vídeo de Vicente Celestino cantando o clássico da bossa nova “O Pato”, com pompa operística, num programa de auditório em 1960.
Nada disso se aplica a mostrar o que jogadores, treinador, juiz ou torcedores fizeram tão pouco antes. E, como estas não eram imagens perdidas, não têm como ser “recuperadas”. Mas me divirto quando o narrador usa a expressão. Reflete nosso esforço para dar um verniz em tudo que fazemos, por mais banal. E, de fato, há passagens no futebol que, se chegaram a ser filmadas, imploram para ser recuperadas – de verdade. Uma delas, a suposta bofetada do uruguaio Obdulio Varela no rosto do nosso Bigode, na final da Copa de 1950. Ou Garrincha, enquanto profissional (não depois de ter parado), chamando algum adversário de “João”. Ou o alvoroço em torno de Ronaldo na concentração do Brasil, a duas horas do jogo contra a França na Copa de 1998.
Essas, sim, seriam “recuperações” a se anunciar em estéreo e Dolby.
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Ruy Castro é escritor e colunista da Folha de S.Paulo