“Fazer previsões é muito difícil. Ainda mais, sobre o futuro.” (Niels Bohr, físico dinamarquês ganhador do Nobel)
Apesar de todas as dificuldades, temos uma necessidade inata de organizar as coisas e os acontecimentos. Diante de um mundo incerto e desconhecido, insistimos em prospecções e balizamentos. Eles podem ser imprecisos, frágeis e ilógicos, mas, em outras épocas no passado, pensar no futuro garantiu o nosso presente.
Prever não significa necessariamente controlar o porvir. Afinal, o futuro insiste em nos surpreender sempre. Ainda mais em um cenário mundial de incertezas políticas, sociais e econômicas. Em relação ao Brasil, gostaríamos de saber o que vai acontecer nos próximos meses. Aonde vão parar o dólar e a inflação? As manifestações e protestos vão continuar? Eles ameaçam a nossa combalida democracia? Essas são indagações legítimas e relevantes sobre o futuro para todos os brasileiros e em especial para os jornalistas especializados.
Em relação ao jornalismo, a situação também é complexa. Em crise de identidade e relevância, polarizado entre defensores das mídias tradicionais em oposição aos ativistas das mídias alternativas, os profissionais da área tentam diagnosticar os problemas do presente e apontar metas para sobreviver no futuro.
Mas será que ainda teremos “jornalistas” nesse admirável mundo novo? Se não há mais sequer um consenso sobre a definição de “jornalismo”, tentar prever o que vai acontecer no futuro é ainda mais incerto. Mas pensar no futuro nunca foi tão importante e necessário.
Talvez não consigamos prever especificidades sobre o Brasil ou o jornalismo, mas podemos lançar algumas prospecções sobre tendências possíveis. Para isso precisamos relembrar situações semelhantes na história, analisar casos específicos do presente, discutir opções e apontar possibilidades para o futuro do jornalismo. Afinal, em condições adversas do passado, o jornalismo – assim como a a humanidade – buscou e encontrou soluções para sobreviver.
Renascimento
O History Channel, canal de TV a cabo norte-americano, apresentou recentemente uma série de muito sucesso, “O mundo sem ninguém“ (Life Without Humans). A proposta da série era investigar “o que aconteceria se todos os seres humanos desaparecessem do planeta”? O que deixaríamos para trás? Cada episódio revela o que ocorreria, horas, meses e anos depois que o último ser humano desaparecesse da face da Terra.
A série do History Channel é baseada no livro A World Without Us, do jornalista norte-americano Alan Weisman, e fez muito sucesso. Em essência, o objetivo é mostrar que o planeta Terra sobrevive ao homem.
Podemos utilizar esse pressuposto para pensar como seria o mundo sem os jornalistas. O que aconteceria se todos os jornalistas desaparecessem do planeta? Qual seria o legado que deixaríamos para trás? Em um mundo cada vez mais polarizado, os jornalistas, como o conhecemos, podem se tornar obsoletos, desnecessários, irrelevantes e inexistentes. A sociedade do futuro sobreviveria à nossa ausência?
O maior problema dessa questão é que ela envolve a nossa própria noção de jornalismo e de futuro. Pode ser que estejamos cometendo o erro mais elementar ao insistir em pensar a nossa profissão e o tempo em termos lineares. O jornalismo é sagrado e único. O tempo de ontem precede o hoje que ressurge no amanhã. Pensamos de forma linear em relação a quase tudo. Não estamos preparados para pensar ou viver em redes múltiplas, não binárias e opostas entre si, onde tudo acontece o tempo todo.
Essa foi uma das provocações de Richard Gingras, executivo de produtos jornalísticos da Google em palestra da Universidade Harvard (EUA) sobre o futuro do jornalismo (ver aqui). Para ele, não há como garantir a permanência do jornalismo como o conhecemos: “O ritmo da mudança tecnológica não vai diminuir, e pensar o nosso tempo atual como uma transição entre duas eras, ao invés de um continuum de mudança, é um erro”. Ele acredita que “estamos diante de uma enorme ruptura no jornalismo”.
Apesar do cenário de incertezas, Gingras é otimista: “Hoje, todos podem ter uma prensa, uma máquina capaz de comunicação universal e não há mais gatekeepers. O jornalismo pode e vai ser melhor do que no passado. A qualidade ainda está lá. Mas agora requer mais trabalho para encontrar”. Ainda sobre o futuro, o executivo da Google diz que “estamos inaugurando uma nova era do Renascimento do jornalismo”.
Caos
Em outra perspectiva internacional menos otimista, Frank La Rue, relator especial sobre a Liberdade de Opinião e de Expressão da ONU adverte: “É necessário começar a mudar o cenário atual e cobrar dos Estados a defesa da liberdade de expressão. É difícil imaginar um mundo sem jornalistas. Sem seu trabalho, a humanidade seria reduzida ao silêncio” (ver aqui).
Ainda sobre o futuro, o jornalista Carlos Castilho também arrisca suas previsões baseadas no passado ao citar o professor e consultor Clay Shirky, autor do livro Here Comes Everybody (Aí vem qualquer um): “Os jornalistas estão enfrentando hoje os mesmos dilemas dos escribas da era renascentista, quando a imprensa de Gutenberg fez com que eles deixassem de ser o caminho obrigatório para qualquer publicação”.
Castilho acredita que o jornalista vai sobreviver e manter uma função social. Mas isso não significa que ele se mantenha atrelado obrigatoriamente às empresas de comunicação. Para ele, no futuro, o jornalista deixaria de ser “porteiro” (gatekeeper) para se tornar uma espécie de “curador”, um selecionador e avaliador de notícias (ver aqui).
Independentemente da posição pessoal dos analistas em relação ao futuro é possível identificar algumas tendências convergentes. Podemos perder a “exclusividade” e até mesmo a “hegemonia” da prática jornalística. Talvez estejamos vivendo o fim de uma era. O jornalismo de “heróis”, seres únicos e míticos, com superpoderes que controlam as notícias e trabalham em grandes empresas, pode deixar de existir.
Mas, assim como no passado, temos a capacidade de reinventar nossa profissão e ainda ser atores relevantes na sociedade. Neste Admirável Mundo Novo, também pode haver lugar para as empresas públicas e privadas que investem em alternativas inovadoras para o futuro. E esse investimento não pode se limitar às tecnologias ou narrativas. Deve incluir novos modelos de gestão administrativa, processos produtivos sustentáveis e, principalmente, novas estratégias para a formação e treinamento dos futuros jornalistas em nossos cursos de jornalismo.
Em tempos de incertezas, assim como o jornalismo e os jornalistas, os cursos de jornalismo lutam para continuar sendo relevantes para a sociedade. Lutam para sobreviver. Mais do que nunca é importante e necessário investir em novas tecnologias, experimentar narrativas mais participativas e definir modelos de negócio mais eficientes e sustentáveis para o jornalismo nas redações e nos laboratórios das universidades. Ensinar jornalismo em tempos de “ninjas” é um desafio para todos os professores que se preocupam com futuro.
Essas novas propostas precisam ser discutidas, avaliadas e aperfeiçoadas. Mas não devem ser jamais menosprezadas ou linchadas em estúdios de televisão, nas ruas ou nas universidades. Precisamos ser mais generosos e menos preconceituosos, arrogantes e professorais em relação ao presente. Nosso futuro depende das decisões que tomaremos nos próximos dias.
Devemos reconhecer e nos preocupar com teorias arrogantes que insistem em dizer que “depois de mim, o caos” (ver aqui). O caos pode ser ameaçador. Mas não há mudanças ou revoluções sem rupturas dolorosas.
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Antonio Brasil é jornalista, professor da Universidade Federal de Santa Catarina, pesquisador do Grupo Interinstitucional de Pesquisas em Telejornalismo (GIPTELE) e autor do livro Telejornalismo Imaginário (Editora Insular)