Os primeiros funcionários da Amazon ainda recordam o dia em que a empresa tirou sua aspirina.
Foi no fim de 1999. O boom na internet começava a ratear, e a Amazon estava sobrecarregada de dívidas e sofria prejuízos cada vez maiores. Jeff Bezos, seu fundador, tinha de impressionar Wall Street com corte de custos.
Mas como? A Amazon jamais havia conferido ao seu pessoal as vantagens como massagens no escritório ou sushi no refeitório da companhia. Praticamente a única coisa que os funcionários recebiam de graça era aspirina. E por isso foi cortada.
Ninguém, aparentemente nem mesmo Bezos, parece saber o que ele pretende fazer com o “Washington Post”, jornal que ele comprou recentemente por US$ 250 milhões.
Mas o corte da aspirina e incidentes semelhantes ao longo da carreira de Bezos demonstram uma determinação de fazer o que quer que seja necessário a fim de obter sucesso, e uma atenção fanática a detalhes, mesmo que isso o faça parecer ridículo. E também mostra que ele não se incomoda com as dores de cabeça que causa aos outros.
“Se ele conseguir realizar a metade de seus planos tão alardeados para a reinvenção do jornalismo, é impossível que isso aconteça sem que quebre alguns ovos”, disse James Marcus, a 55ª pessoa contratada pela Amazon.
Lucro
A Amazon é de longe a companhia com maior crescimento no setor de varejo, mas o que a empresa não tem, e nunca teve, é grande lucro.
Quando se trata de lucro, a Amazon é uma estranha criatura que tem poucas lições a oferecer a um jornal como o “Washington Post”. A Apple lucra mais por trimestre do que a Amazon ganhou na última década. No trimestre passado, a Amazon perdeu US$ 7 milhões. Mas Wall Street de qualquer jeito adora a empresa, a despeito de suas margens modestas.
A Amazon tende a transferir seus lucros diretamente aos clientes.
Conflitos
A Amazon enfrenta inúmeras preocupações regulatórias e competitivas, o que cria um campo minado de conflitos de interesse para o novo dono do “Washington Post”.
A Washington Post Co. (que vendeu o jornal para Bezos) também tem conflitos de interesse, ainda que menores: é dona da Kaplan, uma companhia de educação que pode sofrer investigação do Congresso dos EUA, e a empresa combateu a imposição de regulamentação ao setor.
Mas o jornal que ela operava ainda assim manteve seu compromisso com o jornalismo investigativo. Há quem diga que seria preciso mais que uma mudança de dono para modificar essa cultura.
“Redações são muito conservadoras”, diz Bill Buzenberg, diretor-executivo do Center for Public Integrity. “Elas têm dificuldade para mudar e certamente têm dificuldade para comprometer seus princípios centrais.”
Talvez. Mas poucas Redações até o momento tiveram de encarar um novo proprietário cuja dedicação à distribuição seja acompanhada pela obsessão em promover mudanças até encontrar o caminho certo. Como disse certa vez Steve Yegge, ex-funcionário da Amazon, “ele [Bezos] faz as pessoas obcecadas por controlar tudo se parecerem com hippies chapados”.