A contradição pode ser saudável. Gera ideias. Mas, dependendo das circunstâncias, pode também ser ridícula, além de desinformativa. A revista Veja tem feito a cabeça de muita gente com um discurso (notícia deixou há muito de ser importante para ela) cheio de incongruências, inclusive com ela mesma. Um breve passeio pelos seus arquivos digitais nos traz à tona não só lembranças de fatos passados, mas revelações diante do que nos é contemporâneo. Na edição de outubro de 1999, essa mesma revista publicou uma matéria “Doutores de Cuba: doentes do interior são atendidos por médicos cubanos por falta de brasileiros”. O último parágrafo é esclarecedor:
“Os cubanos são bem-vindos, mas existe um problema. A contratação destes médicos é irregular perante as leis do Brasil. Eles precisam da revalidação do diploma numa universidade brasileira para atuar no país. Com base nessa desculpa burocrática, o Conselho Federal de Medicina denunciou as contratações ao Ministério Público pedindo o cancelamento dos convênios. ‘Não somos xenófobos, mas não há motivos para trazer médicos de fora e tirar o emprego dos profissionais daqui’, diz Edson de Oliveira Andrade, presidente da entidade. O doutor Andrade e seu douto conselho deveriam explicar então porque faltavam médicos nas cidades miseráveis que agora estão sendo atendidas pelos cubanos.”
Raul Seixas preferia ser uma metamorfose ambulante e a Veja também diz agora o oposto do que disse antes. Mas, ao contrário do cantor, ao “desdizer aquilo tudo que disse antes” a Veja mostra que nunca mudou: continua fazendo um jornalismo inconsequente, feito não para informar, mas para agradar seu público. Seja no plano político ou social.
Desinformação vai longe
Foi esta mesma revista que alguns meses atrás nos presenteou com uma matéria de Nathalia Watkins cuja chamada era “Por que a importação de médicos cubanos vai inundar o Brasil com espiões comunistas” e afirmava que a cada cinco médicos cubanos um seria espião disfarçado de agente da saúde. Ian Fleming, autor de 007, não conseguiria inventar roteiro mais fantástico. Ainda se soubesse (não no caso de ser leitor da Veja) que os médicos cubanos atuam hoje em 69 países diferentes, totalizando 104 países desde que o primeiro grupo de médicos saiu da ilha em direção à Argélia. Revista vendendo informação e entregando roteiro de cinema. E daqueles cheios de furos e contradições.
A dúvida que fica: até quando esse tipo de jornalismo permanecerá como meio formador de opinião de parcela considerável de pessoas que buscam informação?
Se depender de alguns administradores públicos como os que ainda hoje compram sem licitação assinatura semestral dessa revista – no valor de R$ 669.240,00, para serem distribuídas na rede de escolas de seu estado –, a desinformação vai longe.
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Alexandre Marini é artista plástico e licenciando em Ciências Políticas e Sociologia