Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Auto-bullying

“Aqui, o leitor tem a palavra final”, diz a frase que abre a seção intitulada “Tribuna”. O espaço é publicado aos domingos, na página 3 do jornal gaúcho Zero Hora, a mesma que, diariamente, abriga a seção “Informe Especial”, assinada pelo jornalista Tulio Milman. Sugere a abertura que ali a democracia é palavra de ordem e, portanto, as sugestões, reclamações, elogios e críticas enviadas pelos leitores terão seu devido lugar de destaque.

A intenção é louvável, pois demonstra que, na condição de comunicadores, os editores da coluna e do jornal estão cientes da importância da opinião do leitor, como deve ser em qualquer veículo de comunicação. Mas basta comparar algumas edições para perceber que os elogios, as sugestões e as críticas construtivas pouco – para não dizer pouquíssimo – fazem parte desse pacote. Se a palavra final do leitor de “Informe Especial” for real e puramente só o que é publicado na “Tribuna”, Zero Hora precisa rever seus conceitos e orientar seu funcionário a escrever de uma forma mais afim ao seu público-alvo.

O que se pode notar na maioria das edições é um derramar de insatisfação. Os leitores chamam as colocações do jornalista de “proposta infeliz”, dizem que ele deve fazer o favor de pesquisar a Constituição brasileira antes de sair por ali escrevendo asneiras, reclamam de equívocos e apontam com bastante sinceridade o que está lhes desagradando. Se fosse o contrário e a bajulação tivesse predominância no espaço, inspiraria, no mínimo, desconfiança, é verdade. Porém, da mesma forma, quando a negatividade aparece tão frequentemente, é de admirar que os leitores estejam assim tão descontentes.

O leitor pode – e deve – ter a palavra final. Mas, antes de ser impresso, é bem provável que o material passe por alguma forma de edição. E, se nesse processo se escolhe dar mais destaque ao lado negativo da opinião dos leitores, “auto-bullying” seria uma expressão bem adequada para defini-lo. Mesmo que, vez ou outra, Milman aproveite para “alfinetar” os insatisfeitos com respostas sarcásticas, dando um ar de gracejo para quem não está no meio do tiroteio, uma relação mais amistosa seria bem-vinda. Está certo que, pelo caráter de leveza e informalidade com que aborda temas variados, “Informe Especial” não deve mesmo agradar todo mundo, mas é provável que o público que acompanha a coluna esteja aguardando por uma visão mais otimista. E essa visão, no caso, é nada menos que a forma como o próprio jornal enxerga o que seus leitores pensam dele. Fica a dica.

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Taís Helena Soares Brem é jornalista, Pelotas, RS