Os veículos tradicionais de comunicações estão com muitas dificuldades de compreender os recentes acontecimentos a partir das manifestações de rua de junho/julho. Da mesma forma que os políticos não estão entendendo o que está ocorrendo – ou fazendo de conta que o assunto não é com eles –, aqueles que deveriam ter o papel de colaborar com o esclarecimento da sociedade estão optando por dois caminhos distintos: desinformar ou, no mínimo, omitir informações.
A imprensa já não é uma das instituições mais confiáveis há muito tempo. Mas o papel a que boa parte dela tem se prestado nos últimos meses somente colabora para aumento de tal descrédito. O espaço público já não é mais monopólio exclusivo dos veículos tradicionais de comunicações. Aquele poder de debate sobre temas da atualidade, que foi expropriado dos cidadãos com a industrialização e comercialização da imprensa em meados do século XIX, ao poucos vem sendo resgatado pelos próprios cidadãos por meio do uso de tecnologias mais recentes. A maior parte do que fica de fora intencionalmente da edição dos noticiários, pode agora ser visto, lido e ouvido via sites de compartilhamento de vídeo, fotos e textos, redes sociais, páginas pessoais ou institucionais na internet.
No entanto, para o grande público, os veículos tradicionais, sobretudo a televisão, continuam sendo a principal fonte de informação. Dessa forma, a construção da notícia sob o viés de quem paga a conta acaba colaborando para a manutenção do estado das coisas, e não para atender aos anseios de mudança, tão requisitados país a fora.
Imparcialidade desmontada
A opção por dar apenas um tipo de enquadramento – o oficial/policialesco –, conduz a um fortalecimento do coro daqueles que entoam: “o povo não é bobo…”. Tal efeito fez com que a própria principal emissora do país, tentando minimizar o prejuízo, se colocasse na posição de desmentir a polícia uma vez, ao usar imagens veiculadas por ativistas da chamada mídia ninja. Mas isso foi no Rio de Janeiro. No Espírito Santo, mesmo com um vasto material de vídeos captado e disponibilizados por cidadãos e até por profissionais dos próprios veículos tradicionais, o discurso tem sido quase uníssono: “vandalismo”.
A desinformação vai a tal ponto de ser evocado o sempre equivocado argumento: “mas isso só acontece no Brasil”. Será desconhecimento ou má intenção? Ou ninguém acompanha o noticiário internacional, para ver que tal fenômeno do “sem causa” (com tantas!) vem desde as manifestações nada pacíficas contra a Organização Mundial do Comércio, no final dos anos 1990; passando pelos protestos contra o Grupo dos 7; as crises político-econômicas na França, Inglaterra, Coreia do Sul, Espanha, Portugal, Itália, Grécia, Turquia…; as reivindicações históricas dos vizinhos argentinos, equatorianos, chilenos, bolivianos, uruguaios…; incluindo ainda os vários matizes da chamada Primavera Árabe; além dos vários movimento de ocupação – não apenas da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, mas de Wall Street, do Parlamento Inglês, entre outros pontos do planeta.
Quando os veículos tradicionais de comunicações tentam direcionar suas coberturas sob um único ponto de vista estão prestando um desserviço à sociedade, principalmente àquela grande parcela que não tem acesso à possibilidade de diversidade do mundo online.
Esta crise da imprensa tradicional – se é que seus gestores acham mesmo que trata-se de uma crise – data do momento em que distanciou-se de seu papel histórico. Boa parte das demais instituições também se distanciaram dos cidadãos.
O primeiro slogan do movimento Occupy – “Nós somos os 99%” – representa exatamente isso que políticos, empresários e imprensa não estão conseguindo (ou querendo) entender. Aquela maioria silenciosa que estavam pacificamente à sombra dos acontecimentos, está se movendo e se tornando cada vez mais ruidosa, seja com megafones, rojões, pedras ou spray.
Vale lembrar que um dos principais souvenires do Maio de 68, em Paris, são os pavés (pequenos paralelepípedos usados pelos estudantes nos confrontos com a polícia nos arredores da Universidade Sorbonne). E aqueles enfrentamentos mudaram profundamente a França.
Para a imprensa, este é um momento chave para fazer escolhas. E como o conceito de “imparcialidade jornalística” já foi desmontado teoricamente há quase 100 anos, é hora de deixar claro e assumir de que lado quer ficar, e ser lembrada na história.
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Edgard Rebouças é jornalista, professor da Universidade Federal do Espírito Santo, coordenador do Observatório da Mídia: direitos humanos, políticas e sistemas e membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos