Nestes tempos de julgamento do mensalão, a dose de posts reacionários que recebo no Facebook e nos e-mails aumentou em escala geométrica. O que me desconcerta é o tom apocalíptico e radical tendo como fonte amigos e conhecidos que não têm nada disso no seu perfil. São pessoas razoáveis e de bem que se veem transformadas, nestas horas, em furiosos e irracionais militantes. A diferença é que se não tivessem a internet, com certeza, estas pessoas fariam parte da amorfa maioria silenciosa. Só se tornaram barulhentos graças à internet. É claro, geralmente, os textos não são deles. Eles apenas repassam as ideias alimentadas pela chamada grande mídia, que reproduz os conceitos e preconceitos gestados no consenso de Washington, defensor-mor dos interesses dos 1% mais ricos. Conceitos e preconceitos que, malandramente, persistem como ideias- chaves dos editoriais da grande mídia ignorando o fracasso deste modelo neoliberal com a crise-mãe de 2008, como aponta o economista sul-coreano, Ha Joon Chang, professor da Universidade de Cambridge, no programa Milênio, da Globonews.
Olhando assim, parece que voltamos ao tempo das revoluções, das degolas. A impressão é de que no outro lado está não um adversário, mas sim, um inimigo que deve ser não só derrotado como eliminado. O nivelamento é por baixo. Não espere nenhum incremento no debate político, apenas uma repetição de ideias amalucadas que já circulam pela rede. Ideias velhas, anacrônicas, fascistas, muitas delas usando e abusando da linguagem do tempo da guerra fria. Uma baixaria. Tempos diferentes. Tempos onde grassa o analfabetismo funcional ideológico, presente em todos os segmentos sociais, em especial, na classe média e na chamada alta classe média, como bem denunciou Marilena Chauí. O pior é que é um analfabetismo que não tem vergonha de se mostrar.
Daí, depararmos com eminentes profissionais de todas os matizes exibindo uma indigência ideológica e cultural e apesar disso se achando o crème de la crème porque, afinal, suas ideias comungam com os editoriais dos jornalões, com as análises dos especialistas que desfilam nos jornais televisivos da TV e com a rodinha de amigos e colegas, adestrados todos por estes mesmos mantras entoados em uníssono pelos “formadores de opinião” tipo Diogo Mainardi, Arnaldo Jabor e Merval Pereira que, por razões óbvias, ocupam lugar de destaque tanto na mídia escrita como televisiva.
Perde-se a inocência
A perspectiva de vitória do adversário rebaixa o (sic) debate a níveis inimagináveis. O triste disso tudo não é a conversão de convertidos, mas perceber o alinhamento de muitos que combateram o autoritarismo, que ontem lutaram na defesa de bandeiras progressistas e democráticas, fazendo eco a este festival de grosseria que só apequena o cenário político nacional. É uma regressão que mesmo o acirramento da disputa não justifica. Quando a linguagem fica infectada pela violência – ela, que deveria ser o suporte da não-violência em um conflito –, caminhamos em direção a barbárie. O caminho que percorremos para convivermos com o outro, o diferente, com nossos vizinhos, mesmo pertencendo a mundos diferentes, na mesma rua, é destruído neste cenário de confronto irracional. É um perde-perde embora as partes engajadas entendam que estão, ao contrário, defendendo o seu lado em uma disputa perde-ganha.
Para não cair em mero maniqueísmo cabe registrar que este tipo de atuação de militante maniqueísta se faz presente também em parte da esquerda. Qualquer um que transita nas mídias sociais sabe do que estou falando. Isto é, existe gente de perfil respeitável, com inegável contribuição pelas lutas progressistas e democráticas, que adota este tom beligerante, panfletário e redutor, legitimando assim a validade de toda a sorte de recursos eticamente discutíveis, de manhas e artimanhas na luta pela hegemonia politica. Instaura-se, como diz Claudio Bernabucci no seu artigo “Só os Milicos Reagem”, revista CartaCapital de 11 de setembro de 2013, um clima onde “as controvérsias políticas se reduzem inevitavelmente a enfrentamento entre torcidas de futebol, daquelas que degeneram em pancadaria. Não se contribui desta forma para a evolução política do país”.
Slavo Zizek, filósofo e psicanalista, ao analisar a violência racista, irmã gêmea da ideológica, diz que aquele que ataca, elege como alvo de sua fúria a dimensão fantasmática, o estereótipo, e não o sujeito real. Assim, “uma torção parcial ocorre em nosso mundo, perde-se sua balanceada inocência, uma coloração parcial dá tonalidade do todo”.
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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS