Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Do céu ao inferno midiático

É interessante constatar como a mídia hegemônica brasileira tem a capacidade de superestimar uma determinada instituição quando os seus interesses conservadores são atendidos; e, por outro lado, com igual intensidade, demonizar a mesma instituição nas ocasiões em que os seus desejos são contrariados. Um exemplo emblemático dessa prática corriqueira é a relação da imprensa nacional com o Poder Judiciário no caso da Ação Penal 470, mais conhecida pelo epíteto “mensalão”.

Quando os ministros do STF condenaram os primeiros réus do processo, no segundo semestre do ano passado, a imprensa hegemônica saudou o Judiciário como arauto da ética no Brasil. Joaquim Barbosa, principal personagem do julgamento mais midiático da história, foi elevado ao status de herói nacional, com direito a capa na revista Veja e intensa exposição nos principais telejornais do país. E nas redes sociais surgiram várias campanhas para a candidatura de Barbosa à presidência da República.

Desse modo, a direita brasileira, impossibilitada de voltar ao poder máximo da nação pela via eleitoral – vide a decadência dos tradicionais partidos conservadores – viu no Poder Judiciário uma maneira extraparlamentar para influenciar as principais decisões políticas do país.

Mídia não protestou

Entretanto, na quarta-feira (18/9), quando a corte suprema do país, após o voto de minerva do ministro Celso de Mello, decidiu aceitar o pedido de embargo infringente proposto pelos advogados de alguns dos réus do “mensalão”, o que veio a postergar o resultado final do julgamento, imediatamente o discurso midiático em relação ao Judiciário mudou radicalmente de tonalidade. Frases como “no Brasil, a justiça só funciona para os pobres”, “ricos não vão para a cadeira” e “a justiça é lenta” foram exaustivamente repetidas como mantras pelos principais jornais e revistas de circulação nacional.

Ora, se tais frases fossem divulgadas por veículos de comunicação democráticos e progressistas seriam autênticas. Todavia, ao serem proferidas por um oligopólio a serviço das classes mais abastadas do país, soam demagógicas e hipócritas.

Por outro lado, o fato de o cargo de ministro do STF não ser eletivo, mas indicação do presidente da República, passou a ser sistematicamente questionado (dos onze juízes da composição atual, oito foram nomeados pelos governos petistas). No entanto, é interessante ressaltar que até a última quarta-feira, quando o ministro Celso de Mello aceitou os embargos infringentes, a mídia brasileira não havia protestado contra o caráter não-democrático de nosso judiciário.

Inerentemente corruptível

Ademais, o que se pode esperar de uma imprensa que apoiou a ditadura militar, que já tentou manipular um processo eleitoral (contra Leonel Brizola, em 1982) e criminaliza os movimentos sociais?

Evidentemente que a corrupção na política brasileira não começou com o PT e tampouco o atual executivo federal é o único a se utilizar de práticas moralmente condenáveis para governar. Sendo assim, qualquer manifesto anticorrupção deve passar, inexoravelmente, pelo questionamento do sistema econômico vigente. O capitalismo, ao colocar o lucro como objetivo a ser alcançado a todo custo, e ao pressupor que os interesses individuais se sobreponham aos interesses da coletividade é, inerentemente, corruptível.

Portanto, a realidade nos mostra que a mídia brasileira, de forma parcial e tendenciosa, escolhe quais políticos vai condenar frente a “opinião pública”. Nesse sentido, casos de corrupção envolvendo partidos atrelados aos grandes veículos de comunicação são propositalmente ignorados. Em última instância, parafraseando uma clássica frase: aos meus inimigos, a lei; aos meus amigos, o apoio midiático.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG