Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Publicidade gay no Brasil ainda não saiu do armário

Duas namoradas se preparam para um beijo. “Existia uma parede no amor”, diz o anúncio de página dupla da construtura MaxHaus.

Publicado em agosto nos principais jornais do país, é um raro exemplo de publicidade com temática gay na grande imprensa nacional.

Apesar de o tema já dominar até o enredo das principais novelas da Globo, a publicidade brasileira segue na zona de conforto do armário.

“Em todo lugar do mundo, o público gay é identificado como progressista, moderno”, diz André Fischer, criador do portal Mix Brasil e editor da revista “Junior”, voltada para o público gay.

“Falta ousadia e coragem por parte de agências e anunciantes no Brasil em associar as marcas a esse público.”

Faltam também dados confiáveis sobre o tamanho do mercado e, dizem especialistas, há um temor das empresas de serem boicotadas pelo consumidor conservador.

No caso da campanha da MaxHaus, criada pela agência Talent, o que está em jogo não é atrair o cliente homossexual, mas se posicionar como uma marca moderna. “A campanha é sobre autoexpressão, sobre ser quem você é”, diz João Livi, diretor-geral de criação da Talent.

Para Fischer, independentemente do poder de compra, o consumidor LGBT é formador de opinião e, por isso, deveria entrar no plano de mídia dos anunciantes. “Esse é um segmento pequeno, mas que tem poder de influenciar, consome muita marca e compartilha o tempo inteiro.”

A falta de anúncios limita o alcance da mídia LGBT, que vive de anúncios segmentados –bares, marca de camisinha ou mesmo de governo, como Ministério da Saúde. O médio ou grande anunciante aparece eventualmente, quando surge alguma campanha que trata de diversidade.

As poucas marcas que ousaram se associar à causa gay na grande imprensa o fizeram em momentos muito específicos, como a Parada Gay.

Há ainda algumas iniciativas que ficam limitadas às redes sociais: em suas páginas no Facebook, Itaú e Banco do Brasil têm dialogado com esse público, oferecendo financiamento imobiliário.

Tabus e margarina

O tema ainda é cercado de tabu. A Tecnisa, que há dez anos veiculou uma série de anúncios, entre eles um que trazia duas cuecas penduradas num varal, não quis dar entrevistas.

Nem sempre a abordagem é adequada. Uma campanha de 2009 do Doritos –na qual um garoto é ridicularizado pelos amigos ao começar a dançar ao som de “YMCA”, espécie de hino gay– gerou protestos e acabou sendo voluntariamente retirada do ar.

Já os conservadores conseguiram retirar das ruas de São Paulo outdoors com a foto de um beijo gay, campanha da fabricante de camisinhas DKT, de 2006.

No Congresso, um artigo do projeto de lei que regulamenta a publicidade infantil quer institucionalizar a “família margarina” como padrão na propaganda brasileira. O artigo foi incluído recentemente pelo relator do projeto, o deputado Salvador Zimbaldi (PDT-SP).

Enquanto isso, nos Estados Unidos anúncios que retratam novos modelos de família estão cada vez mais presentes na mídia de massa. “Nos últimos cinco anos, anúncios com pessoas do mesmo sexo saíram totalmente do armário nos EUA”, disse à Folha Bruce H. Joffe, autor de “A Hint of Homosexuality”, algo como Homossexualidade Sugestiva.

“Depois de uma fase mais explícita, atualmente os anúncios estão mais sutis e bem-humorados. As pessoas não mais riem da gente, mas com a gente.”

O livro mostra que o homoerotismo sempre esteve presente na propaganda, de forma mais ou menos explícita, desde o fim do século 19.

******

Mariana Barbosa, da Folha de S.Paulo