Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A utopia romântica da imparcialidade

A constante pressão comercial leva os veículos interioranos a priorizarem a estabilidade financeira, reduzindo o jornalismo a um tapa-buracos entre os anúncios e tornando a imparcialidade jornalística apenas um sonho romântico.

Há, no jornalismo de cidades interioranas, certa predisposição para o “bom mocismo”. Por aqui, a isenção de conteúdo denunciatório é chamada de cautela e se manter em cima do muro representa imparcialidade jornalística. Devido ao menor fôlego financeiro em relação aos grandes jornalões das capitais, consolidou-se nas redações dos veículos regionais um clima de constante pressão financeira, que impulsiona o ato de “fazer jornalismo” a se resumir a um estado de eterno pisar em ovos. Busca-se, então, incessantemente, estabelecer plena harmonia entre o conteúdo publicado e o ego –macio – do anunciante, ou outro qualquer ilustre personagem vinculado à engrenagem econômica do veículo.

Constantemente pressionados do ponto de vista comercial, aos poucos os jornais matam as tentativas, ainda insípidas fora das capitais, de se fazer um jornalismo investigativo, com uma apuração mais profunda dos fatos do que a prática ligeira que o cotidiano permite. A prioridade financeira evidente reduz o jornalismo à mera função de tapa-buracos entre um anúncio e outro. E, por vezes, torna inviável ao jornalista o cumprimento de sua função primordial, a social, mantendo assim o jornalismo local preso à condição de amador, condenado ao desvirtuamento de função, delegando a uns poucos a tentativa quase que isolada de se fazer um jornalismo de qualidade.

Jornalismo cooptado

Neste contexto, matérias pagas se misturam às notícias, sem distinções, para legitimar o pronunciamento deste ou daquele “companheiro”, tornando os “fatos” passíveis de tamanha – e assustadora – vulnerabilidade. A verdade é que os jornais regionais se transformaram em negócios capitalistas onde a notícia é um mero detalhe e a relação do jornalista com o comercial é tão estreita que, em alguns casos, o mesmo desempenha a função de escrever e vender anúncio.

Um fator importante para o desencadeamento desta crise editorial é o crescente número de não jornalistas ocupando o cargo mais alto da hierarquia dentro das redações dos veículos de comunicação regionais. Alheios às causas que envolvem o exercício do bom – e ético – jornalismo, não separam mais o mesmo da publicidade, e vislumbram orgulhosos – e sem peso de consciência – este emaranhado de informações irrelevantes e parciais.

Pobre do jornalista interiorano que, quando não vende sua alma aos anúncios e foge da cobertura extremamente rasa de notícias factuais e da cultura amaciadora de egos, é presenteado com intimidações e ameaças da maneira próxima que somente o exercício da profissão em locais de menor espaço geográfico pode proporcionar. No contexto regional, a imparcialidade jornalística segue sendo uma utopia romântica. E o jornalismo cooptado, uma praga que reduz o jornalista a uma prostituta que trabalha para quem paga mais. Ou, simplesmente, para quem paga.

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Giselly Abdala é repórter, Artur Nogueira, SP