A vida é um aprendizado implacável. Por isso é melhor aprender com os erros dos outros que com os próprios erros. Guido Barilla, presidente da maior fabricante mundial de massas, que leva o nome de sua família, nos deu involuntária e penosa lição sobre o novo engajamento das marcas com seu público, uma relação que vai muito além do comercial de 30 segundos. Questionado numa rádio italiana se usaria família gay em campanha publicitária, Barilla respondeu: “Eu nunca faria [um comercial] com família homossexual, não por falta de respeito, mas porque não concordamos. A nossa família é uma família clássica, na qual a mulher tem papel fundamental.”
Imediatamente, surgiram protestos e pedidos de boicote na Itália e em outras partes do mundo. Alessandro Zan, deputado do Parlamento italiano, tuitou: “Você não pode desrespeitar os consumidores, incluindo os gays.” A Barilla, que usa cenas idílicas de famílias italianas em seus comerciais, tentou conter os danos. Argumentou que o seu presidente foi mal interpretado, que defendeu apenas o papel central da mulher na família e que a marca “usa famílias em seus comerciais porque acolhe a todos”.
Mas o estrago estava feito, intensa e velozmente como costuma ocorrer hoje em dia. Até os concorrentes aproveitaram. Bertolli, outra marca de massas, lançou campanha em redes sociais com imagens e posts pró-gays como “Amor e massa para todos!” ou “Bartelli acolhe a todos, principalmente os com estômago vazio.”
Marca e verdade
A cada segundo mais de mil mensagens são disparadas no Facebook e no Twitter. É um turbilhão incontrolável, mas influenciável, com o qual marcas e organizações devem se engajar. A imagem de uma empresa depende cada vez menos do que ela comunica sobre si e mais do que os outros comunicam sobre ela. Existe informação demais sobre as marcas, inclusive falsa informação. É um fluxo no qual as empresas têm influência limitada e que convive com a propaganda tradicional, por isso mesmo tão estratégica. E os muito opacos me perdoem, mas transparência é fundamental.
A melhor propaganda é ser uma grande empresa. Elas serão cada vez mais julgadas pelo que são do que pelo produto que entregam. Assim como as mídias sociais podem detonar seu produto, elas podem promover suas qualidades, proporcionar feedbacks e informações em quantidades antes impossíveis e de valor inestimável.
Existem milhões de críticos de consumo na web hoje divulgando desde fotos cruas e cruéis de estadias em hotéis até vídeos bem produzidos de especialistas em qualquer coisa sob o sol. Diante desse paredão iluminado, o insustentável é insustentável. A marca ganhou outra substância. Ganhou mais substância. A propaganda também. A imagem e a realidade se aproximam. A marca é cada vez mais uma verdade. Seu modo de produção, seu DNA, será tão decisivo na decisão de compra quanto preço e gosto.
Existência e essência
Essa nova realidade pode abater você em pleno voo ou você pode abraçá-la como uma boa-nova. Sua empresa produz cada dia mais informações de si mesma, use-as antes que os outros as usem. Conte histórias reais para contar sua melhor história. E não se deixe enganar. Nesse mundo novo e verdadeiro, a propaganda tem papel vital. O melhor negócio das novas mídias é a propaganda. Ela sustenta o Google, o Facebook, o IPO do Twitter. E cresce com eles. A publicidade digital é uma grande oportunidade, não uma grande ameaça. Ela já se tornou caminho fértil para aumentar receita, fomentar criatividade e balizar o futuro.
A propaganda vai agora ajudar o consumidor a encontrar o que quer, não dizer a ele o que ele quer. Como afirmava o filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre, “a existência precede a essência”. Você pode ver isso como o oposto da propaganda. Ou como a nova propaganda. Fico com a segunda.
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Nizan Guanaes, publicitário e presidente do Grupo ABC, é colunista da Folha de S.Paulo