A Secretaria de Comunicação Social (SCS) do Palácio do Planalto – órgão com status de Ministério, dirigido pela jornalista Helena Chagas – escolhe previamente emissoras de rádio para entrevistar a presidente Dilma Rousseff durante viagens pelo interior do País e avalia antecipadamente as perguntas que serão formuladas. O objetivo é garantir que os temas abordados estejam de acordo com os interesses de divulgação do governo.
A prática pouco usual de comunicação é admitida abertamente pelo secretário de Imprensa da SCS, José Ramos Filho, durante visita da presidente a Campo Mourão (PR), a 460 quilômetros de Curitiba, nesta sexta-feira, para entrega de equipamentos na segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2). “O foco nestas viagens é a prestação de informações sobre políticas públicas em âmbito regional. A gente pede para que as emissoras enviem duas perguntas vinculadas à prestação de contas sobre políticas públicas. Tem gente que vem perguntar sobre campanha eleitoral de 2014. É um tema que não é interesse nosso”, disse ele.
Filho nega participação do governo na sugestão de perguntas ou censura prévia, mas afirma: “quando há uma pergunta que não é pertinente a esse escopo, a gente procura alertar a pessoa (o entrevistador) do objetivo do interesse do ouvinte dele, que é uma prestação de contas regional”.
O secretário fala que o envio antecipado de perguntas serve para um levantamento interno sobre os assuntos que serão abordados e esclarece que a escolha dos veículos de comunicação é baseada nos critérios de maior abrangência e audiência. Para ele, a presença de dezenas de jornalistas dos principais órgão de comunicação do País, credenciados nas viagens da presidente, é realizada para cobertura do evento e não para entrevistas coletivas. “As entrevistas coletivas são um complemento que podem acontecer ou não”, diz.
As afirmações do secretário de Imprensa do Palácio do Planalto foram feitas ao Terra após ser questionado sobre a realização de entrevista para duas emissoras de rádio do interior do Paraná, durante a viagem da presidente Dilma à Campo Mourão. Na véspera da viagem de Dilma, o Terra conversou com o radialista Luiz Donizeti, locutor da rádio Musical de Campo Mourão, escolhido ao lado da repórter Luciana Penha, da rádio Maringá FM, para entrevistar a presidente. As duas emissoras têm suas programações direcionadas principalmente para música, com pouco espaço para conteúdo jornalístico.
Afirmando estar “orgulhoso” por entrevistar Dilma, Donizeti contou que recebeu um telefonema da SCS informando que ele havia sido escolhido como entrevistador. O interlocutor solicitava que ele encaminhasse um e-mail contendo tópicos dos assuntos que seriam abordados na entrevista. O radialista disse que a orientação que recebeu “era para não confrontar durante a entrevista presidencial ou para repetir as mesmas perguntas”.
A entrevista exclusiva para as duas emissoras ocorreu no aeroporto de Maringá (PR), a 90 quilômetros de onde Dilma era aguardada para a solenidade do PAC 2. Segundo Donizeti, assessores da Presidência informaram que a determinação do local ocorreu “por condições climáticas e de segurança”.
Durante a entrevista, Dilma respondeu as perguntas chamando os entrevistadores pelo nome e demonstrando uma aparente intimidade.
A presidente falou sobre uma possível viagem que fará à Maringá ainda neste ano, apresentou obras que estão sendo realizadas na região e defendeu programas do governo federal, incluindo o Mais Médicos. Seguindo o esquema definido, os entrevistadores em nenhum momento confrontaram a presidente. Durante a maior parte do tempo, Dilma falou diretamente aos ouvintes.
Enquanto Dilma era entrevistada no aeroporto de Maringá, dezenas de jornalistas aguardavam a chegada da presidente ao parque de exposições de Campo Mourão, local do evento.
Havia expectativa de uma entrevista coletiva. Nem Dilma e nem seus ministros – Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Paulo Bernardo (Comunicações), César Borges (Transportes), Helena Chagas (Comunicação Social) e Pepe Vargas (Desenvolvimento Agrário) – falaram com a imprensa. Ao final do evento, todos se encaminharam por uma saída lateral, distante a cerca de 15 metros do espaço destinado aos jornalistas, e embarcaram com destino à Brasília.
Defesa de grupo político
O método adotado para as entrevistas da presidente é criticado pelo especialista em Comunicação Social e professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), João Somma Neto. “É um problema ético sério. A Secretaria de Imprensa do Planalto não está observando os princípios éticos que norteiam uma política de comunicação democrática”, afirma ele.
Somma Neto acredita que a estratégia da SCS “é uma forma de direcionar as entrevistas para temas de interesse governamental e desviar o foco de assuntos mais polêmicos para os membros do governo”. “Há uma tentativa de blindar a presidente, restringindo a liberdade de imprensa e acesso a informação. Se ela se dispõe a conceder uma entrevista (como a concedida para emissoras escolhidas), deve dar liberdade para os entrevistadores.”
O especialista lamentou que o método adotado para entrevistas programadas ocorra em um ministério dirigido por uma jornalista. “Me parece que mesmo os profissionais da área, como o caso da Helena e do Franklin Martins, quando assumem um cargo como este, esquecem os princípios mais comezinhos do bom jornalismo e passam a defender ideias que estejam de acordo com proposições políticas do grupo que está no poder e adota isto como critério”.
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Carlos Ohara, especial para Terra, em Campo Mourão (PR)