Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A captura do discurso dos dominados

No programa Brasilianas, de Luiz Nassif, o ministro Luís Roberto Barroso, ao fazer um comentário en passant sobre as mídias sociais, disse que aquilo que está nas redes sociais não é real, é uma persona, uma personagem criada pelas pessoas que ali publicam opiniões. Mais não disse porque a tônica da entrevista era outra. Na mesma noite (07/10/2013), no programa Roda Viva estava o governador Tarso Genro. A maioria das perguntas do coordenador do programa Augusto Nunes – que na passagem pelo Zero Hora revelou um traço iluminista ao, como chefe de redação, incitar a que seus comandados lessem um kit básico de clássicos da literatura brasileira e mundial e hoje na Veja funciona como importante peça da “tropa de choque” antipetista – tinha um claro propósito de causar embaraços ao entrevistado. A questão do teto mínimo do professor, assinado por Tarso quando ministro da Justiça e que agora como governador não o implementa, o caso Cesare Battisti etc.

Tudo dentro dos conformes do jornalismo. O fato novo foi o entrevistado enquadrar seus entrevistadores, estabelecendo uma discussão republicana que, no meu entender, é a mais adequada para a esfera pública. Uma discussão que não cai no gosto da direita. Tanto isto é verdade que ela, a direita, vem aumentando seu plantel de brucutus da web. A mais nova aquisição da Veja foi Lobão. A TV Cultura ataca com o peripatético Pondé, com espaço novo para disfarçar que quer discutir filosofia quando – me corrijam se estou errado – sua agenda secreta é criar empatia com os telespectadores para, ato contínuo, vender o que importa: seu discurso ideológico. A substituição de Mário Sérgio Conti por Augusto Nunes na coordenação do programa Roda Viva parece obedecer a esta lógica, ainda que digam ter sido decorrente de intrigas palacianas. Pode-se chamar a isso de sinergia ou o que queira.

Outro que vem intensificando o papel de formador de opinião pró-tucano entre uma e outra entrevista, ou mesmo no momento da entrevista, é o Jô. Só que seu estilo é mais light, mas não menos comprometido e maniqueísta, do que os acima citados. Como sou viciado em TV e gosto do programa do Jô, a despeito da questão ideológica, fico zapeando a toda hora que percebo que vem arenga pró-tucano. Quase desnecessário dizer que escapo das terças, dia das “gurias” do Jô. Meu argumento contra os mais radicais de esquerda que não veem mais nada na TV e, em especial, o programa do Jô, é que se abolisse de vê-lo teria perdido uma das melhores entrevistas, que foi a dele com o filósofo Clovis de Barros Filho. Outra entrevista fantástica foi com Ziraldo. Uma entrevista que sempre rende.

Estilo maniqueísta

Voltando ao ministro Barroso e de quem realmente é aquele sujeito que parece estar sempre raivoso e destemperado nas mídias sociais, em especial, quando o assunto é política. Para mim, é um assunto recorrente. Já abordei esta questão. No entanto, a toda hora o assunto volta à baila com novos ingredientes. Silvya Moretzsohn, professora de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense e articulista do Observatório da Imprensa, diz, de modo claro e conciso, em artigo na revista CartaCapital, número 768, de 2 de outubro de 2013, entre outras coisas a respeito das mídias sociais, que “veem- se em geral a cristalização de opiniões, a rejeição ao contraditório e a reprodução de certos clichês que apaziguam a consciência que tem convicções e que não estão abertos ao debate. Mas esse é também o comportamento normal do senso comum e não é surpresa que ele se reproduza nas mídias sociais”.

O fato novo fica assim explicitado: a maioria que era silenciosa até pouco tempo atrás, virou ruidosa com o advento da internet. Esta é uma assertiva que também defendi em artigos anteriores neste mesmo Observatório da Imprensa. Portanto, não é um personagem novo, como classificou o ministro Barroso. O novo, o paradoxal, é a apropriação pela grande mídia, porta-voz da casa grande, dos muito ricos, dos acantonados no Instituto Millenium – uma espécie de Ibad de hoje, se se pensar nele como matriz intelectual do pensamento conservador – do discurso da senzala que ela e os seus detestam, para instrumentalizá-lo a seu favor, na defesa dos seus interesses. Uma captura e reprodução do discurso dos dominados para continuar dominando-os.

Discurso que sempre existiu na esfera privada. A fala do cotidiano, a conversa de botequim, passou assim a frequentar a esfera pública por uma massa que não foi educada para a discussão, para o debate, para o contraditório. A grande mídia que, como concessão de serviço público, deveria trabalhar neste sentido, prefere, por conta de seus interesses político-ideológicos e empresariais, nivelar por baixo, privilegiando o estilo maniqueísta, raivoso e truculento, como já foi dito nos primeiros parágrafos. Toda a sem-cerimônia, a bravata, a espontaneidade, o jogo de cena, o discurso “Maria vai com as outras” do cara que quer se enturmar, está agora nas mídias sociais, para o bem e para o mal.

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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS