Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O combate à fiel condutora da boiada

O cidadão chega em casa e se ajeita diante da televisão. É a hora de abrir as janelas para a percepção dos fatos ao redor do mundo. O momento é sagrado. Afinal, através da telinha será despejado o mar diário de realidades incontestáveis e fundamentais à boa parte da formação conceitual e ideológica dos cidadãos de bem. Confortável em seu sofá, ingere as notícias e, como bom cidadão inteligente, antenado e bem informado, já discerniu quem são os mocinhos e quem são os vilões da sociedade e formou conceitos bem definidos quanto ao que é certo e errado. Ele não está só. É apenas mais uma cabeça em meio às milhares que fazem parte da boiada conduzida fielmente pela mídia monopolizada que compõe o Brasil.

Nos embalos do país da democracia seletiva, o setor midiático não foge à regra. Considerada uma das mais autoritárias do mundo, amídia brasileira têm apresentado pedaços distorcidos e mal contados da história como se tratassem de um todo. Mastigam e enfiam seus ideais goela a baixo do telespectador /leitor e formam cidadãos de cérebro pré-montado, incapazes de pensar além das sutis (ou nem tão sutis assim) ideologias inseridas nas páginas das revistas e imagens dos telejornais.

O reflexo disso é um país onde os meios pertencentes aos grupos de comunicação privados mandam e desmandam. E se vangloriam por fazer e desfazer governos, por e depor presidentes. Como fez a Rede Globo, em 1989, quando, no debate entre os presidenciáveis, foi capaz de manipular as massas brasileiras contra Lula e consagrar Fernando Collor como presidente. Trazendo a sensação de que a queda da ditadura militar não representou o desaparecimento da repressão e mecanismos de perseguição, mas que esta apenas se transformou e adequou a outras formas, como a manipulação midiática.

Democratizar a comunicação

Este cenário inescrupuloso somente é plausível devido à ausência de regulação na mídia, possibilitando a formação de monopólios oligárquicos, em que são beneficiadas as poucas empresas que se favorecem da grave concentração no setor. Estes grupos, tantas vezes, impossibilitam a circulação das ideias e perspectivas que não os interessam para difundir seus próprios interesses. De modo a impossibilitar o pleno exercício do direito à comunicação e da liberdade de expressão pelos cidadãos, afetando a democracia brasileira.

Por aqui, a oligarquia da imprensa é comandada por seis famílias: Civita (Editora Abril), Marinho (Organizações Globo), Frias (Folha de S.Paulo), Saad (Rede Bandeirantes), Abravanel (SBT), Sirotsky (RBS). Considerando a afirmativa de McLuhan quando diz que “o meio é a mensagem”, são seis famílias que definem qual a mensagem e, consequentemente, o pensar de quase todo o povo brasileiro.

No combate à alienação em massa está o projeto que defende um novo marco regulatório da mídia, ou seja, (re)democratizar a mesma. Indo à raiz da ideia, propõe lutar pela socialização da produção e do controle dos grandes meios de comunicação, extinguindo os monopólios ou oligopólios. Além disso, a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão deverão atender a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, promover a cultura nacional e regional e estimular a produção independente que objetive sua divulgação, e regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei.Muitos dos aspectos apontados pelos defensores do marco regulatório se encontram em artigos da Constituição Federal que, passados 25 anos, continuam sem regulamentação.

Sem manipulação

Batendo de frente com defensores do status quo ao controle social, o projeto se depara com obstáculos que inviabilizam sua execução, como a oposição enérgica dos grandes proprietários dos veículos, que argumentam ser este um ataque à liberdade de imprensa, talvez por confundir ingenuamente a mesma com liberdade de empresa.

É preciso repensar a atual estrutura de comunicação e promover uma mudança radical neste setor marcado pela concentração e pelo autoritarismo, onde a democracia ainda não chegou. Informação sem manipulação e sem a prática do pensamento único deve ser considerado um direito inalienável do povo. Como já dizia o escritor e semiólogo italiano Umberto Eco, “um país só pode ser considerado democrático quando todos os setores sociais encontram espaços midiáticos garantidos em pé de igualdade”.

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Giselly Abdala é repórter, Artur Nogueira, SP