Desde o início dos protestos de junho, pipocaram na internet brasileira dezenas de sites de “black blocs”. Só no Facebook, surgiram 50 páginas no país, que produziram mais de 74 mil postagens, 160 mil comentários e quase um milhão e meio de “likes”.
Existe, no entanto, relação entre atividade on-line e ações vistas nas ruas? Sim, quando o assunto é resposta à violência policial, e não quando a questão é o grau de engajamento desses internautas que visitam sites “black blocs”.
Essas foram duas das respostas encontradas pelo pesquisador canadense Robert Muggah, diretor do Instituto Igarapé, órgão de pesquisa sediado no Rio dedicado à integração de questões sobre segurança e desenvolvimento.
Ele é autor do estudo “Black Bloc Rising: Social Networks in Brazil” (O surgimento do “black bloc”: redes sociais no Brasil, em tradução livre), que analisou dados produzidos em páginas de grupos “black bloc” na internet entre junho e agosto deste ano.
Segundo a pesquisa, 90% dos usuários das redes “black bloc” interagem com páginas desses grupos no Facebook apenas uma vez. “Esse dado sugere que a maior parte da atividade dessas páginas se dá num modelo que chamamos de slacktivism’ [ativismo preguiçoso]”, diz Muggah.
“São pessoas que apoiam a causa sem se envolver muito com ela, num comportamento promovido por plataformas que requerem apenas um clique como forma de protesto”, explica o pesquisador.
Para ele, isso indica que a participação desses internautas se dá mais como um “meme de protesto” do que como um compromisso de fôlego, que vai da internet às ruas.
Reação à violência
Muggah também encontrou relação entre relatos de violência policial e atividades dos grupos “black bloc” on-line.”Antes de junho, sites de black bloc’ eram inexpressivos, inexistentes”, diz.
“Sua presença na internet começou a crescer junto com os protestos e os relatos de brutalidade policial. A cada relato público do uso excessivo de força, havia um pico de atividade nos sites.”
Para ele, essa relação sugere que, quanto mais polícia é colocada em confronto com manifestantes, mais grave tende a se tornar a situação.
“É um dilema para os governos, que precisam dar uma resposta à situação nas ruas. Recrudescer a abordagem policial, no entanto, parece tornar o problema maior e mais complicado.”
Muggah avalia que o desafio atual é o de criar canais de diálogo com esses grupos para que suas queixas possam ser ouvidas sem que se recorra apenas à polícia.
Rio e São Paulo
O estudo detectou que, apesar de existirem sites de afiliados da estratégia “black bloc” no país todo, a maioria de suas atividades on-line se dá no Rio de Janeiro e, em segundo lugar, em São Paulo.
Surgido na Alemanha nos anos 1980, o “black bloc” é considerado por muitos como um conjunto ideológico anarquista, uma série de táticas de protesto e também uma demostração estética que se espalhou pela Europa, América do Norte e Oriente Médio antes de chegar ao Brasil.
A pesquisa no país faz parte de um estudo internacional mais amplo chamado Iniciativa Open Empowerment, que partiu da articulação jovem por meios digitais durante a Primavera Árabe, em 2012, para observar as atividades de jovens na rede.
A Iniciativa encontrou características similares em grupos de jovens que já nasceram integrados à era digital na Europa, Ásia, África, Oriente Médio e América Latina.
A principal delas, segundo Muggah, é que são “jovens de classe média de 20 e poucos anos digitalmente muito ativos, mas com um horizonte estreito: ingressam no mercado de trabalho sem saber se serão absorvidos nem qual é seu prospecto econômico”.
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Fernanda Mena, da Folha de S.Paulo