Há algum tempo, numa galáxia nada distante, gerações de cinéfilos e cineastas – Quentin Tarantino entre eles – foram formadas dentro de videolocadoras. Cada pessoa tinha a sua preferida, algumas lojas com um perfil mais comercial, outras com uma seleção de filmes de arte, todas com a certeza de que se podiam passar horas entre prateleiras coloridas, viajando por histórias a serem descobertas ou revisitadas.
Porém, como costuma ocorrer com os impérios, o reinado das locadoras teve seu fim decretado no início do mês. A Blockbuster, principal empresa do ramo, que chegou a ter nove mil lojas espalhadas pelo mundo, anunciou o fechamento de suas últimas 300 unidades nos Estados Unidos, um marco para a falência de um negócio que vem sofrendo nos últimos anos com a pirataria, a popularidade dos serviços de vídeo sob demanda e, também, com a falta de interesse da própria indústria do cinema. Tanto nos EUA quanto no Brasil.
– Nos últimos três anos, a queda foi de 50% no faturamento. Hoje, semanalmente são alugados cerca de 600 filmes. Há dez anos, eram mais de 1.500 – conta André Mendes, responsável pela Vídeo Estação, locadora que vai fechar as portas de sua última loja, em Botafogo, no início do ano que vem. – Vamos vender todo o acervo para os próprios clientes a partir de dezembro. Depois, devemos operar somente até o primeiro ou o segundo mês de 2014.
Além da Vídeo Estação, uma locadora fundada em 1986 e que já teve lojas em Flamengo, Copacabana e Ipanema, muitas outras empresas vêm concluindo suas atividades no Rio. Na semana passada, foi a vez de a Vídeo Nacional fechar sua filial na Barra, apenas três meses depois de também encerrar a loja do Recreio. Hoje, a empresa, fundada em 1983, mantém cinco locadoras na Zona Sul, sendo que numa delas, a do Leblon, os filmes dividem espaço com produtos hospitalares à venda.
– A gente sabia que o meio digital chegaria em algum momento e que não daria para remar contra a maré. Mas o fim está sendo precipitado pelos executivos dos grandes estúdios e distribuidoras – afirma Hélio do Amaral, proprietário da Vídeo Nacional e ex-presidente da Vídeo Rio, antiga associação de locadoras cariocas, hoje extinta. – Antigamente, respeitavam-se as janelas de tempo para os lançamentos dos filmes. Primeiro era no cinema, seis meses depois nas locadoras, mais alguns meses na TV a cabo e, enfim, na TV aberta. Só que, com a queda do faturamento no cinema, as empresas passaram a eliminar a janela. Hoje, há vezes em que a gente recebe o filme quando ele já está sendo exibido na TV.
“A gente passa meses no vermelho”
Hélio do Amaral conta que se chegou a discutir na Vídeo Rio, há dois anos, uma forma de entrar na Justiça contra os estúdios. Seria uma briga parecida com a travada em 2010 por uma rede de cinemas britânica, que ameaçou não exibir “Alice no País das Maravilhas” depois de a Disney anunciar que lançaria o DVD apenas 12 semanas após a estreia do filme. O objetivo era alavancar a venda do vídeo caseiro, cujo faturamento caíra 20% nos quatro anos anteriores por conta da pirataria. Mas, no fim, a Disney acabou voltando atrás na decisão. E a Vídeo Rio não levou a ideia do processo à frente.
– As distribuidoras estão dando preferência para serviços de TV e de internet. Elas não têm mais interesse nas locadoras – diz Luis Carlos Teixeira Mendes, proprietário da Paradise, em Copacabana, uma das mais tradicionais locadoras do Rio, aberta há 21 anos, hoje com mais de 30 mil sócios cadastrados. – Quando abrimos, o único acesso que se tinha para ver a maioria dos filmes fora do cinema era alugar um VHS. Eu lembro que na transição do VHS para o DVD, por volta do ano 2000, alugávamos de mil a 1.200 filmes num sábado. Hoje não se chega a 500.
Para diminuir os custos, desde julho a Paradise não abre mais aos domingos e ainda diminuiu uma hora no seu funcionamento diário.
– Vivo recebendo oferta de filmes vendidos por locadoras que vão fechar. A Vip Vídeo, na Rua Barata Ribeiro, que nasceu como a locadora King Kong e era mais antiga que a gente, fechou há um mês – conta Teixeira Mendes. – Eu ainda não fechei porque tenho outras fontes de renda. Mas a gente passa meses no vermelho.
Os problemas que vêm sendo enfrentados pelas locadoras cariocas são os mesmos que levaram a Blockbuster a fechar suas lojas nos EUA. Fundada em 1985, a empresa vinha enfrentando problemas financeiros desde o fim da última década, sobretudo pelo sucesso de companhias que oferecem filmes pela internet, como a Netflix. Curiosamente, corre no mercado uma história de que a Blockbuster teve a oportunidade de comprar a Netflix em 2000, mas acabou desistindo da transação por não considerá-la essencial para seus negócios.
A decadência da Blockbuster se acentuou em 2010, quando a rede de locadoras entrou com pedido de falência, o que acarretou, no ano seguinte, a sua venda para a Dish Network, uma companhia americana de TV por satélite. Na ocasião, a Blockbuster já tinha um número reduzido de 1.700 lojas nos EUA, que foram sendo fechadas ao longo dos meses seguintes, até o anúncio de dez dias atrás. Hoje, suas unidades já estão vendendo o acervo de DVDs e Blu-Rays para os clientes. Por coincidência, o último filme alugado numa Blockbuster americana foi “É o fim”, de Seth Rogen e Evan Goldberg.
Salgadinhos no caminho
Já a partir do ano que vem, a Blockbuster vai existir nos EUA apenas como um serviço de filmes sob demanda na internet – por enquanto, vão restar também 50 lojas de franquia, não controladas pela matriz. Não se sabe ainda o que vai acontecer com as Blockbusters de outros países. No Brasil, por exemplo, suas filiais são controladas desde 2007 pelo grupo Lojas Americanas, que uniu as locadoras a suas unidades de varejo.
Procurada, a empresa não deu informações sobre o destino da Blockbuster brasileira. Mas uma visita à Americanas Express do Humaitá, no Rio, na última quarta-feira, mostra como anda o negócio do aluguel de filmes: perto das 13h, os corredores entre as prateleiras de DVDs para locação, que ficam bem no fundo da loja, estavam tomados por caixas de salgadinhos, impossibilitando a circulação de um possível cliente.
Alocadora Macedônia, de Jeferson Rangel Paravitino, com suas lojas no Catete e no Leme, é uma referência para cinéfilos cariocas há 30 anos. Mas Paravitino não se acomodou com o território conquistado pelos filmes. Assim que percebeu o risco que a internet representava para o negócio, começou a agir:
– Claro que tive queda de movimento, mas eu previ isso cinco anos atrás. Fui transformando a loja enquanto o mercado ainda era bom. Então, hoje, no Leme, tenho uma cafeteria, vendo suplementos alimentares e mantenho a videolocadora. Tudo no mesmo lugar, mas bem dividido.
O empresário reconhece na juventude de hoje uma mudança de perfil, com um menor hábito de assistir a filmes em casa. Para ele, sua maior concorrência hoje é a “falta de tempo do povo”.
– É muita coisa convergindo, downloads, TV a cabo, até viagem para o exterior compete com a locadora. E também tem muito filme ruim – diz.
Com o mercado em queda, a opção por essa diversificação proposta pela Macedônia não é uma questão de estilo. Significa, sim, sobrevivência. Cavi Borges, dono da Cavídeo, locadora cult do Humaitá, lembra que um serviço como o da Netflix ainda tem muitas lacunas em sua biblioteca de filmes, com uma oferta tímida de produções nacionais, documentários, clássicos e curtas-metragens.
– A Cavídeo tem um diferencial. Nestes 17 anos de existência, a gente conseguiu criar um público fiel, que não é o cara que vai procurar lançamentos. Isso garante nossa sobrevivência. Para a gente, o download ilegal é um adversário mais sério que a Netflix. A gente trabalha com filme raro, e hoje, graças à internet, não existe mais filme raro – diz Cavi.
Mesmo com esse público fiel, a Cavídeo também sofreu com a concorrência da internet. Cavi reconhece que a locadora teve uma queda de 30% a 40% de faturamento neste ano. A solução foi cortar custos: por exemplo, comprando duas cópias de cada filme, em vez de cinco.
Segundo ele, há até cerca de três anos, a loja alugava 200, 300 filmes por dia; hoje são 150. Dos 30 mil sócios que ainda estão no cadastro, Cavi calcula que 30% são ativos. Mas quem são essas pessoas?
– Quem não baixa filme hoje em dia? Crianças e pessoas mais velhas, que não têm paciência ou não mexem com computador, e gente mais ocupada, sem tempo disponível. Aqui vem muito pesquisador e estudante, em busca de filmes raros – diz.
Mas Cavi admite que também é preciso diversificar os produtos e as atividades disponíveis na loja. Para isso, ele organiza festas, encontros, produz filmes e agora pretende se tornar uma boutique de cinema, com livros, postais, brinquedos e miniaturas:
– Não dá mais para ser só uma locadora, tem que pensar em outras coisas que complementem a atividade.
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André Miranda e Eduardo Rodrigues, do Globo