Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

As razões dos mandachuvas da Fifa

Afinal das contas, qual teria sido o critério da Fédération Internationale de Football Association (Fifa) para a escolha dos mestres de cerimônias (MCs) para a apresentação do sorteio das chaves no evento realizado na sexta-feira (6/12), na Costa do Sauípe, na Bahia? Afinal de contas, já que a entidade máxima do futebol internacional não apresentou uma justificativa ou uma desculpa, qual seria, se é que houve algum critério na escolha da gaúcha Fernanda Lima e do catarinense Rodrigo Hilbert como MCs? Se foi uma escolha entre o baiano Lázaro Ramos e a carioca Camila Pitanga, como toda escolha, houve um critério ou cálculo do custo de oportunidade. Se você escolhe uma oportunidade, você também está perdendo pelo que a outra oportunidade tinha a oferecer.

Eu, que pouco sei de Economia e menos ainda entendo de Direito, ousarei do domínio do fato para tentar interpretar o fato que repercute: Camila Pitanga é Pitanga desde Antônio, o mesmo revelado por Glauber Rocha tido como o célebre do Cinema Novo, que por sinal criou, com sua turma, o cinema brasileiro. Que fique claro: o cinema abordado sobre as questões da realidade de seu povo. Camila constrói sua carreira tanto no cinema, no teatro e na televisão em que, por sinal, está no ar desde que a presença dos atores negros na TV não era tão constante, embora ainda sem consistência, desde que Lázaro Ramos se tornou uma referência para as novas gerações.

Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert, além de formarem casal na vida real, são modelos e atores. Fernanda é também apresentadora de TV. A presença de ambos na televisão é bem mais fácil e até mais lógica (?), já que a sociedade é estruturalmente racista. Vejamos: Fernanda e Rodrigo são atores. Lázaro é um “ator negro”. Camila Pitanga já tem um histórico e todo mundo sabe que desde cedo ela se autodeclara como negra (à revelia e incompreensão de alguma gente). O sucesso profissional, segundo o dr. Nilo Batista, vai embranquecendo as pessoas. Ele, que se diz mulato, reclamava que não tinha alunos negros nas suas turmas de Direto nas universidades antes das cotas e programas de acesso ao ensino superior. Até então, o negro estava predestinado, no máximo, a cursar o ensino médio.

Camisa semelhante à do Flamengo

Se os fatos não falam por si, temos no documentário de Zoel Zito Araújo, A Negação do Brasil,um clássico dado sua contemporaneidade aos idos do século 21, onde o longa fora filmado na virada do ano 2000. Chegamos ao fim de 2013 e o racismo como ideologia (claro, é um pensamento fincado em ideias) faz da crença que Jesus Cristo tem feições europeias, quando esse teria nascido e se criado no norte do Egito.

Não tenho nada contra Rodrigo Hilbert e muito menos Fernanda Lima. E concordo com ela quando diz não ter nada a ver com isso por ser “branquinha”. Esse mesmo casal já foi MC do lançamento do emblema da Copa do Mundo em Johanesburgo, na África do Sul, em 2010, e em 2011, no Rio de Janeiro, Fernanda Lima também apresentou, ao lado do apresentador Tadeu Schmidt, as seleções que disputariam as eliminatórias.

Se “isso” no que ela se refere quanto à escolha da Fifa, é claro. Mas se a Fifa declarar o motivo “daquilo” de sua pretensão no que se refere aos cerimonialistas do evento que apresentaram os grupos-chaves do campeonato, um tanto se justifica, pois a cerimônia na Costa do Sauípe já demostra um lugar projetado para o turismo. Agora, se ela sabe o motivo por parte da Fifa, e o critério ou o custo de oportunidade se deve por eles serem brancos, teria ela e seu marido que recusar o convite.

Racismo, preconceito e descriminação em geral é burrice. “(…) O preconceito é uma coisa sem sentido/ Tire a burrice do peito e me dê ouvidos/ Me responda se você discriminaria/ Um sujeito com a cara do PC Farias/ Não, você não faria isso não/ Você aprendeu que o preto é ladrão (…)” – diz um trecho da música de Gabriel, O Pensador. Por sugerir pensamento, a Alemanha lançou seu slogan: “Vocês nem imaginam o quanto de Brasil existe dentro de nós”. Trata-se de uma mensagem da seleção alemã para o povo brasileiro e, pela diversidade na foto, acho que os modelos Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert não seriam selecionados. Não sei se é coincidência, mas nas redes sociais a equipe da Alemanha tem divulgado uma camisa semelhante às cores do time do Flamengo.

Ponto de vista do colonizador

A Globo agiu acertadamente ao indicar Lázaro e Camila para a cerimônia de apresentação dos grupos-chaves da Copa, na Bahia. Trata-se de um estado brasileiro negro, e o Brasil possui a maior população negra do planeta, fora da África, onde 51% de sua população se autodeclara como afrodescendentes e/ou pretos e pardos, segundo o IBGE. Isto é, somos 51% que se auto-declaram (a separação, mesmo com a abolição do hífen, é proposital), fora as pessoas que não se declaram assim como as mesmas que contrariam a própria Camila Pitanga.

A televisão brasileira passa por uma adaptação do nosso tempo enquanto o Rio de Janeiro como polo cultural do Brasil não poder ter, somente, a zona sul de Manoel Carlos como produção do imaginário, mas também deve, sobretudo, ter o universo da zona oeste de Paulo Lins veiculado em comunicação em massa. Incluindo aí também o subúrbio da zona norte. Mais da metade do povo brasileiro também tem o direito de ser representado nos programas, nas novelas, nos âncoras jornalísticos, nos filmes e nas demais formas de transmissão da identidade brasileira. Do contrário, continuaremos com o ponto de vista do colonizador. Madiba presente ad aeternum!

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Paulo Mileno é ator