O coleguinha Luciano Martins Costa foi ao ponto, com a argúcia de sempre e a autoridade de pioneiro no jornalismo digital do país. Em instigante artigo para o Observatório da Imprensa, tascou ele: “(…) A questão da imprensa não é mais o modelo de negócio, mas a própria natureza da atividade jornalística. A grande pergunta é: quanto vale a mediação num ambiente em que cada pessoa é potencialmente uma mídia?”.
Esse é o aspecto central da mutação que o jornalismo vem enfrentando neste início de século. Não se trata apenas de mudança na forma de consumo do noticiário, de meios impressos para digitais, mas na atitude do consumidor. Foi-se aquela criatura que recebia a informação pronta e a processava na interação social do trabalho, da família, do clube, de suas vivências. Surgiu no lugar dela o cidadão que lê a notícia ou opinião, imediatamente a processa com algum comentário, agrega outras informações e a republica nas redes sociais.
É assim, pois, que além daquele célebre engenheiro que virou suco, agora temos também o leitor que virou mídia. A sua interação com o noticiário e a rapidez com que o processa e recoloca em circulação, comentado, faz dele um paradoxo: consumidor e concorrente dessa mídia, ao mesmo tempo. Hoje podemos ler os jornais diretamente, mas podemos preferir a reemissão comentada do noticiário nos perfis de Fulano, Beltrano e Sicrano, no Twitter ou no Facebook, eventualmente muito mais interessantes que a fonte original.
Informação e análise
Se assim é – e cada vez mais é assim – o que responder à questão de Luciano? Quanto vale a mediação que a mídia tradicional faz entre os acontecimentos e o público que precisa informar-se deles?
Penso que o valor é muito alto e pode se manter no topo se a mídia souber preservar o seu maior ativo: a credibilidade conferida pela tradição. O que é mais confiável para um cidadão comum? A informação que lhe é trazida por O Estado de S.Paulo, por exemplo, há 138 anos no ramo da notícia, ou aquela que lhe chega pelo blog, excelente que seja, criado há poucos meses?
Há algum tempo, num debate em São Paulo, defendi que os jornais estão assumindo uma função cartorial. São agências de certificação, chanceladores da relevância da informação. E se sai num grande jornal, o fato já ganha dimensão pelo mero fato de estar abrigado naquelas páginas. Leva carimbo de coisa séria e verdadeira, até que se demonstre o contrário. Daí porque é tão grave quando a imprensa omite ou distorce deliberadamente o noticiário em função de seus interesses políticos ou empresariais.
É curioso que os jornalistas estejam se transformando numa espécie sofisticada de notários. Mas isso só ressalta a responsabilidade que têm e seguirão tendo, de prover informação veraz e análise consistente, na algaravia de vozes que se esganiçam por audiência no mundo da comunicação digital.
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Gabriel Priolli foi editor executivo e diretor de redação de Imprensa entre 1987 e 1991; hoje é produtor independente de TV