Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Woody Allen e Zé Celso Martinez

Woody Allen: “Eu sempre disse que não sou artista o suficiente, nem comercial o suficiente. Para uma pessoa mediana, os meus filmes podem parecer artísticos. E para pessoas que conhecem arte, não. Então vivi com os meus filmes num estranho limbo.” Uau! Tudo a ver. Não que eu desgoste da alta cultura, mas viver assim no meio- tom me parece a única maneira de realmente viver. Caso contrário, você tem de abdicar de viver a vida dos mortais comuns e se enfronhar de tal modo em seu métier que o resto fica relegado a um segundo ou terceiro plano. Para não perder a embocadura da vida não se deve dedicar de um modo quase insano para alguma coisa, para alguma atividade. Senão o que era para ser um aditivo ao viver vira centro dela. Moderação, já pregavam os gregos.

Sempre lembrando que nada é tão definitivo. Tem muito artista que apesar de ser um obsessivo no seu métier consegue ao mesmo tempo ser uma pessoa de vida intensa e vibrante. O que me anima na fala de Woody Allen é a demonstração de que existe espaço importante para um tipo de arte não canônica que ao mesmo tempo não cai na vala comum da arte puramente comercial. De uma arte imprensada entre a chamada alta cultura e a comercial. Isto é bom. É ótimo! Estamos falando de arte que bebe de todas as fontes. De arte que vibra e se expressa evitando a grandiloquência e o traje de gala da alta cultura que ao mesmo tempo em que enriquece culturalmente envilece com a sua arrogância e pompa de virtuose dotado de poderes totalmente apartados do comum dos mortais.

Elos impensáveis e improváveis

O que ele chama de limbo é uma capacidade de se equilibrar entre a soberba e a mediocridade, entre o pomposo, porque privilégio de poucos, e o oportunista que se vale de expedientes chãos que em nada contribuem para a civilidade e a melhoria do cidadão e mesmo do individuo, explorando e reforçando preconceitos e clichês típicos do estereótipo massificado. Mesmo que não explore a forma típica da alta cultura Woody Allen em nenhum momento faz sua obra se render aos valores do senso comum. Sempre em sua obra há um severo e bem humorado combate aos estereótipos de nosso dia a dia e até mesmo uma visão autocrítica do próprio e arrevesado modo de ser dos chamados intelectuais nova-iorquinos que refletem com acurada realidade todo um jeito de ser intelectual lá, aqui ou acolá.

O interessante é que este viés de Woody Allen dialoga com a fala de Zé Celso Martinez, contida na mesma publicação (revista gaúcha Aplauso) em uma reportagem da página seguinte, que versa sobre a obra de Oswald de Andrade, senão vejamos: “Um teatro que (…) passa a devorar todas as formas de dramaturgia possíveis e imagináveis, usando todas as formas teatrais e não teatrais, circenses, literárias, subliterárias, para expressar tudo e que pretende (…) se intrometer em tudo, palpitar sobre tudo, devorar tudo, utilizar tudo. Um impurismo total. Sua única grande fidelidade é seu sentido anárquico de apreensão de mundo, utilizando não somente as coisas em si, mas as formas artísticas através das quais essas coisas se expressam.” O aleatório é capaz de às vezes criar este tipo de ligação mágica entre textos feitos em épocas e contextos totalmente distintos. Anima-me estabelecer estes elos impensáveis e improváveis que só a leitura é capaz. Pensando melhor, não é tão impensável e tão improvável assim. Espíritos livres e abertos desde sempre comungaram valores e interesses transcendentes a épocas e contextos restritivos e limitados. Do mesmo modo, nunca se submeteram aos cânones vigentes na alta cultura. Criaram novos caminhos para a arte e, por que não?, para a vida.

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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS