Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A concentração perdida

Você já se distraiu de uma tarefa para checar seu perfil nas redes sociais? Ou perdeu uma conversa na mesa do restaurante porque estava respondendo mensagens no smartphone? Para Larry Rosen, professor da Universidade Estadual da Califórnia e pesquisador da chamada “psicologia da tecnologia”, você não está sozinho: a capacidade média de concentração dos participantes de suas pesquisas é de apenas três a cinco minutos. Depois disso, eles se distraem, sem conseguir terminar seus estudos ou trabalhos.

O problema tende a se acentuar à medida que nos tornamos cada vez mais inseparáveis de tablets e smartphones – e as consequências podem ser ruins para nossa capacidade de ler, aprender e executar tarefas. “Se ficamos trocando de tarefa, nunca passamos tempo o bastante para nos aprofundarmos em nenhuma delas. Três minutos certamente não bastam para estudar”, diz Rosen, autor de livros sobre o impacto social da tecnologia. Sua próxima obra, em conjunto com um neurocientista, se chamará justamente The Distracted Mind (A Mente Distraída, em tradução livre).

Em entrevista à BBC Brasil, ele sugere técnicas simples para “reprogramar” o cérebro a reconquistar essa habilidade de prestar atenção. E, no caso de adolescentes, não adianta vetar a tecnologia – mas sim, estimulá-la em horas certas.

Confira.

Os níveis de ansiedade

Nossa capacidade de concentração está diminuindo?

Larry Rosen – Certamente está cada vez menor, e em diversos níveis. Pesquisas mostram que nossa concentração média é de 3 a 5 minutos antes que acabemos nos distraindo, no estudo ou no trabalho. A maioria dessas distrações é tecnológicas – alertas de mensagem, e-mails etc. Culturalmente, seguimos essa tendência. Até TV mudou. Em programas de TV dos anos 1980 e 1990, o tempo de cada cena era muito maior do que é nos programas atuais, que se adaptaram à nossa atenção mais curta. Revistas também fazem reportagens cada vez mais curtas.

Isso é um problema?

L.R. – Se ficamos trocando de tarefa, nunca passamos tempo o bastante para nos aprofundarmos em nenhuma, e tudo fica superficial. Três minutos certamente não bastam para estudar, por exemplo. O segundo problema é que, terminada a distração, não voltamos imediatamente à tarefa que interrompemos. Precisamos de um tempo para lembrar onde estávamos. No caso de um livro, temos de reler alguns parágrafos, realocar nosso cérebro. Em uma pesquisa com estudantes universitários, tiramos seus telefones, os dividimos em três grupos – de uso leve, moderado e extremo – e medimos sua ansiedade. Os usuários leves tiveram pouca alteração em seus níveis de ansiedade; os moderados rapidamente ficaram ansiosos, até que esses níveis caíram. Mas as pessoas que usavam muito seus smartphones ficavam mais e mais ansiosas. E neste último grupo estavam justamente as crianças e os jovens adultos. Temos de ensiná-los a evitar essa ansiedade.

Os que se concentravam mais tinham notas melhores

Será um reflexo disso o fato de as pessoas lerem pouco ou não terminarem leituras?

L.R. – Muitas pessoas já não conseguem mais ler integralmente, elas passam o olho. Percebo isso como professor: ao mandar um e-mail aos alunos, que respondem com dúvidas. Mas essas dúvidas estavam respondidas no e-mail original. Daí eles dizem, “Desculpe, eu só li as primeiras linhas.” Tudo fica mais superficial, mas também mais estressante. Quanto mais trocamos de tarefas, mais damos para o nosso cérebro monitorar.

Estudos mostram que isso vem afetando o desempenho de estudantes/profissionais. Há exagero nesta avaliação?

L.R. – Em outra pesquisa, assisti a estudantes durante seus estudos. Pedíamos que eles estudassem matérias importantes, para ver como se concentravam. E vimos que eles só conseguiam manter sua atenção por uma média de três minutos. O interessante é que os que conseguiam se concentrar mais tinham notas melhores na escola, e não apenas naquela matéria que estavam estudando. Ou seja, se concentrar melhora o desempenho, na escola, no trabalho e até nos relacionamentos pessoais.

“O engraçado é que não é um vício”

Como recuperamos esse poder de concentração?

L.R. – É possível aprender técnicas simples para aumentar a capacidade de focar e não se distrair. Imaginemos, por exemplo, a hora do jantar de uma família comum. Hoje em dia, todos jantam tendo seus celulares consigo. A sugestão é, no início do jantar, que todos possam checar seus celulares por um ou dois minutos. Mas depois têm de silenciá-los e virar seu visor para baixo, para não ver as mensagens chegando. Após 15 minutos marcados no relógio, todos recebem permissão para checar o telefone novamente, por um minuto. À medida que a família se acostuma com isso, aumenta-se gradualmente esse período de 15 para 20 e 30 minutos. E assim cria-se tempo para conversas familiares ininterruptas por 30 minutos, seguido de um minuto para checar o celular. É uma forma de treinar o cérebro a não se distrair, e isso é essencial.

É uma reprogramação do cérebro?

L.R. – Você está reprogramando a parte química envolvida no estresse do seu cérebro. Porque o que começamos a ver é: se impedimos as pessoas de checarem seus celulares ou dispositivos tecnológicos, elas ficam ansiosas, (o que produz) alterações químicas.

É como um vício?

L.R. – O engraçado é que não é um vício – se fosse, teríamos sensação de prazer ao checar nosso celular. E a maioria não está obtendo prazer, apenas tentando reduzir a ansiedade e a sensação de não saber se está perdendo algo (na internet ou nas redes sociais).

Como crianças em uma loja de doces

O que podem fazer os professores que querem recuperar a atenção de seus alunos?

L.R. – Em geral, eles terão de usar a própria tecnologia, seja permitindo que os alunos usem seus próprios dispositivos ou trazendo dispositivos à aula. Por exemplo, com vídeos curtos, que costumam atrair os estudantes. Aqui nos EUA, algumas escolas particulares também têm usado mais tecnologias, como iPads e Apple TV, na sala de aula. Isso certamente torna a educação mais atraente. Em escolas que proíbem os aparelhos móveis, os estudantes os levam escondidos e ficam trocando mensagens debaixo da carteira. É melhor, então, que os professores os deixem checar em determinados momentos – por exemplo, a cada meia hora por um ou dois minutos. Se você veta o uso da tecnologia, os estudantes vão ficar o tempo todo pensando no que estão deixando de ver (no celular), nos comentários que a sua foto no Instagram estará recebendo. E, assim, não vão prestar atenção na aula de qualquer maneira.

Há vantagem no fato de estarmos fazendo diversas tarefas ao mesmo tempo?

L.R. – Em geral, não – a tentativa de fazer muita coisa junta impacta seus relacionamentos. Se você tenta falar com seu marido ou mulher à noite e cada um está vidrado em seu celular, que conversa vai ter? Se você está com seus amigos num restaurante, mas fica no celular, que interação fará com eles? E fico pensando como será quando as pessoas começarem a usar o Google Glass – você vai achar que (seu amigo) está olhando para você, mas ele estará, na verdade, olhando para o que estiver aparecendo nos óculos.

Mas tem gente que pode ter uma performancemelhor nesse novo ambiente de estímulo constante?

L.R. – Pesquisas mostram que uma parcela bem pequena das pessoas é capaz de funcionar bem nesse tipo de ambiente. Não vi pesquisas de longo prazo a respeito disso, mas imagino que isso seja algo estressante. E no longo prazo isso não é bom para o corpo.

As pessoas conseguem definir regras, limitando o próprio uso da tecnologia?

L.R. – Eu costumava enlouquecer com meu feed no Twitter, até decidir checá-lo uma vez só por dia. Uma das regras que recomendo é: tire seu celular ou notebook do quarto uma hora antes de ir dormir e não se permita checá-los até o dia seguinte. Hoje, nossos estudos mostram que a maioria dos adolescentes e jovens adultos dorme ao lado dos seus telefones e acorda no meio da noite para checá-los. Isso é péssimo para o seu cérebro, que precisa de blocos longos e consistentes de sono. E também prejudica o aprendizado. Acho que isso ainda vai piorar, até que as pessoas percebam o efeito negativo sobre sua saúde. E daí começarão a pensar: será que eu realmente preciso checar meu feed de Twitter 20 vezes por dia? Será que realmente preciso estar em sete redes sociais diferentes? Mas no momento estamos tão empolgados com a tecnologia que somos como crianças em uma loja de doces: queremos experimentar tudo.

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Paula Adamo Idoeta, da BBC Brasil