Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Com a devida vênia aos comentaristas da internet

Luis Fernando Veríssimo aborda a questão da violência no artigo “Embrutecimento” (Zero Hora, 16/12/2013) com o seu peculiar estilo que consegue ser leve, refinado, bem humorado e, ao mesmo tempo, profundo. Assunto quentíssimo e inesgotável. Começa o artigo fazendo referência às batalhas de arquibancadas ocorridas no jogo do Atlético PR X Vasco, associando as cenas com as protagonizadas nas lutas de MMA, com as devidas ressalvas acerca das diferenças entre uma luta no ringue, atendendo alguns requisitos básicos, e a das torcidas organizadas. Sou suspeito para falar acerca deste assunto, pois gosto das lutas de MMA, embora já tenha sugerido, em artigo neste mesmo Observatório da Imprensa (vide link http://observatoriodaimpr ensa.com.br/news/view/_ed691_a_indiferenca_ou_condenacao_dos_cultos), modificações tipo proibição do uso do joelho e do cotovelo. Reiterando o já dito no artigo acima citado, penso que, em parte, LFV deve ter razão. Isto é, a estupidez aproxima as duas coisas, pois muitos fãs que gravitam em torno delas são bad boys que confirmam essa opinião. Disse em parte porque quando há luta aqui em casa se reúnem todos os meus três filhos e seus amigos e todos são jovens saudáveis e em nada seus perfis remetem para aquele estereótipo tão negativo. Não me incluo neste rol de jovens porque sou de outra geração – da geração que sapateava vibrando quando o mocinho matava os malvados índios.

O principal foco do meu interesse é sua abordagem do embrutecimento visto na internet que ele, infelizmente, ligeiramente comenta relacionando-o a uma escalada geral da violência. Uma hipótese que levanto, com pretensão de servir como apenas mais uma opinião do que como conclusão definitiva acerca do assunto, é a de que migrou para a internet o pior do comportamento do senso comum ou, no mínimo, o comportamento desequilibrado e alterado do senso comum percebido normalmente quando entram em discussão questões polêmicas como política ou religião, e não o comportamento normal do senso comum, como diz Silvya Moretzsohn, professora de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense e articulista do Observatório da Imprensa em artigo na revista CartaCapital, número 768, de 2 de outubro de 2013.

Politica não é só razão

O pior do comportamento do senso comum por conjugar o do torcedor fanático e passional de futebol – no futebol, xingar o juiz, vibrar enlouquecidamente com o gol de seu time, “tirar sarro” do torcedor do time adversário, dentro de certos limites, é não só compreensível como natural – junto com a ideia de que a internet é o lugar propício para a catarse, e não para a reflexão. A impressão que fica, se levarmos em consideração o teor da maioria dos comentários na internet, é de que foi abolido o marco civilizatório e quem usa a razão é ingênuo, babaca, pouco esperto.

A internet virou o lugar para dar vazão à raiva contra o chefe, contra a empresa que o explora e contra tudo que traz dissabor e discorda de sua visão de mundo. No caso da raiva contra a empresa em que trabalha e/ou contra o chefe, o artificio é o mesmo que os bluseiros do sul escravista dos EUA usavam para dar vazão a sua raiva contra seus algozes, isto é, compunham canções iradas contra a mulher amada que, na verdade, representava o seu explorador. Os bluseiros tinham razão de usar esta cautela diante de uma dominação brutal que tornava quase impossível se rebelar. Os corajosos e agressivos da internet só endereçam seu ódio, sua raiva, contra alguém que não está na sua frente e/ou contra instituições que oferecem risco zero de represália. Nunca os vi criticando seus patrões, sua empresa. Eu mesmo já ouvi alguém confessar que na internet ele consegue ser autêntico, isto é, livre das amarras, das travas sociais, podendo extravasar seus piores instintos, suponho. Daí uma – eu disse uma – das causas de explicação possível para, raramente, se encontrar uma discussão civilizada nos comentários da internet. Como disse LFV a palavra idiota é o termo mais suave que se ouve ou lê na internet. Aliás, Olavo de Carvalho um dos mais perfeitos representantes de uma direita que congelou no tempo da guerra fria (ops!), tem um livro com o titulo idiota que, é claro, remete para todos que professam ideologia diferente da sua.

No quesito embrutecimento, a direita é mais escolada do que a esquerda, tem mais know-how, embora, o maniqueísmo esteja, com a proximidade do ano das eleições, criando adeptos nesta ultima. Um “blogueiro sujo”, que escreve artigos interessantes, classificou Reinaldo Azevedo como analfabeto político em artigo intitulado Os APs ou analfabetos políticos das redações. Reinaldo Azevedo pode ser classificado de tudo – no mínimo, vira-casacas, surfista da onda do momento – menos de analfabeto político. Está lá no belo livro de Bernardo Kucinski Jornalistas e Revolucionários a informação de que Reinaldo Azevedo era trotskista junto com, acreditem!, Demétrio Magnoli. Nas charges a coisa é pior, guardadas as honrosas exceções como o Santiago, aqui no sul que consegue fazer críticas causticas e inteligentes. Ainda no terreno das exceções e do humor temos Palmério Dória que com seus aforismas lembra o Barão de Itararé e o José (Macaco) Simão, que não poupa ninguém. Está certo, a eleição vai ser uma guerra, politica não é só razão, mas como disse Ulysses Guimarães, com sua sabedoria “Não se pode fazer política com o fígado, conservando o rancor e ressentimentos na geladeira.” Sei, vou apanhar dos mais jacobinos por estar citando e, pior, chamando de sábio, um “conservador”.

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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS