Podemos dar um basta em 2013? Podemos acalmar os ânimos entre as facções pró-papa Francisco e pró-Edward Snowden como homem do ano?
Vez por outra, esta coluna presta um serviço semântico, espécie de check-up na linguagem corrente para que o caro leitor não dê vexame igual ao do primeiro ministro britânico David Cameron, que escreveu L.O.L em SMS’s para uma amiga, certo de que era lots of love (muito amor) e não laughing out loud (rindo alto).
Aqui uma lista de palavras, expressões e nomes, parte da bagagem verbal com que embarcamos em 2014.
Branding – Que saudades do original Viking – marcar o gado – na Idade Média. Depois de entrar para o jargão da publicidade, o branding está se tornando uma necessidade pessoal, como colocar aparelho nos dentes. O branding é um esforço de auto empacotamento para se distinguir do resto do rebanho. Típico de uma economia que cada vez menos remunera o trabalho.
Reforma da Imigração – Espere aí, não era para acontecer em 2010? A promessa de Obama foi quebrada tantas vezes que já há dois milhões de imigrantes sem documentos a menos no país, despachados pelo presidente que mais deportou latinos e mais se beneficiou de seus votos. Ser contra a reforma de imigração nos Estados Unidos é como ser a favor da desnutrição infantil. Mas isto não serve de consolo para centenas de milhares de brasileiros que lavam banheiros, passeiam com cachorros, cortam grama e desempenham tarefas que os americanos evitam. A lei da imigração será debatida, diluída e, se passar este ano, vai testar a definição da palavra “reforma”.
De gigante emergente em anão incompetente
Tea Party – Há esperança de que a expressão volte a ser associada à tradição inglesa do chá das cinco servido com bolinhos. O movimento americano do Tea Party, assim batizado em homenagem à revolta contra os impostos da coroa britânica, em 1773, serviu tanta insânia ao discurso político em 2013 que até o emasculado líder republicano John Boehner começou a tratá-los como lunáticos.
Facebook – Se os seus filhos adolescentes não queriam ser vistos na sua companhia física, espere que eles cada vez mais evitem sua companhia virtual. O Facebook está “morto e enterrado” para a turma de 16 a 18 anos, segundo um novo estudo sobre o impacto da mídia social. Se antes os pais temiam que seus filhos passassem muito tempo no Facebook, agora estão pedindo que fiquem lá para saber o que estão fazendo, disse o pesquisador Daniel Miller. Mas a garotada prefere aplicativos como Snapchat e WhatsApp.
Desigualdade – Era déclassé comentar num jantar sobre a insustentável disparidade de renda, especialmente nesta cidade que se tornou parque temático para bilionários. Com a posse do novo prefeito, Bill de Blasio, na quarta-feira, pega mal convidar bilionários para jantar.
Elizabeth Warren – Você vai ouvir falar dela. A nova senadora e ex-professora de Direito de Harvard é considerada tão pró-consumidor que Obama nomeou outra pessoa para ocupar o cargo que ela inventou, numa nova agência de proteção contra desmandos da indústria financeira. Warren, dizem alguns analistas, pode roubar de Hillary Clinton sua última chance de se candidatar a presidente, em 2016.
Opção nuclear – Nada de ameaças da Coreia do Norte. É uma manobra no Senado americano para fazer valer a votação de maioria simples, contra a obstrução da minoria, leiam-se republicanos, que fez de 2013 um modelo de inércia legislativa. Afinal, os democratas acordaram de seu estupor invertebrado e devem dar a Obama algum espaço para tomar iniciativas que os eleitores esperam desde 2009.
Edward Snowden – Vai continuar a ser chamado de herói e traidor. Os que o chamam de traidor vão continuar defendendo mais transparência e menos espionagem. Snowden vai continuar sonhando com o Brasil. E a presidente Dilma vai continuar se dando o direito de torturar a nossa língua se dando completamente o direito de não se manifestar sobre o que não lhe foi encaminhado.
Copa do Mundo – Evento que transformou o Brasil de gigante emergente em anão incompetente aos olhos do mundo. O evento que seria nosso baile de debutante planetário atraiu um foco negativo como nunca antes na história deste país. Morte de operários, goteiras e desabamento em estádios, corrupção, injustiça social, nossa continental roupa suja está sendo lavada em múltiplas línguas.
******
Lúcia Guimarães é colunista do Estado de S.Paulo, em Nova York