Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo barato

Três dias após o acidente de Schumacher, Sabine Kehm, sua porta-voz desde sempre, disse que ele só saiu da pista sinalizada de Méribel para ajudar um amigo que havia caído. “Então ele acertou uma rocha, foi catapultado e, na queda, bateu a cabeça”, afirmou. Caso pensado ou erro na origem da informação da assessora, fato é que a declaração criava um cenário de santificação. Que foi turbinado pelo Bild, no dia seguinte. Ao relatar sua “reconstituição” do acidente, o jornal sensacionalista alemão carregou ainda mais nas tintas: escreveu que Schumacher tinha ido ajudar uma criança, filha de um amigo.

O texto é romanceado, rico em detalhes. “De repente, a filha de um amigo caiu. Schumi ajuda a garota, deixando a área sinalizada por cerca de 20 metros entre as pistas de Biche e Mauduit. Há bandeiras por todos os lados. Será que Schumi não seguiu as instruções? Isso não está claro. O certo é que, entre as 10h50 e as 11h, ele foi atingido pela má sorte. Schumi, que além do capacete usava colete de proteção, acertou uma rocha que estava coberta de neve.”

Não foi nada disso, como soubemos na quarta-feira pelos investigadores que analisaram as imagens da câmera no capacete do heptacampeão. Ele saiu da pista porque quis, pois é um exímio esquiador. E caiu porque acidentes acontecem. Pronto. Por uma semana, porém, as versões foram tratadas como verdades por boa parte da imprensa. E é sintomático que a primeira tenha sido oficial, e a segunda, oficialesca.

À espera de uma novidade real

Porque tanto fez. No afã de noticiar alguma coisa, ou qualquer coisa, vários veículos do mundo todo repercutiram (odeio este verbo) o que viram pela frente, sem a menor apuração dos fatos. Junte o “copiar e colar” com o Google Translator e, voilà, eis grande parte do jornalismo que nos atropela, principalmente na internet. Jornalismo barato, em todos os sentidos.

A maior notícia desde o último boletim médico é que, no fundo, não há o que ser noticiado. Recuperação de acidente neurológico é um processo lentíssimo. E o acidente, como já dito aqui, foi só isso: um acidente. O apetite por notícias por parte do público, sobretudo dos fãs inveterados, é compreensível. O que não pode ser aceito é a divulgação de fatos absurdos.

Menos mal que boa parte da imprensa já havia deixado o Hospital Universitário de Grenoble quando Corinna pediu sossego. Só agora todos começarão a fazer aquilo que já deveriam ter colocado em prática há dias: esperar uma novidade real.

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Fábio Seixas, da Folha de S.Paulo