Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Colunismo, opinionismo e confusionismo

“Desde Cândido Rondon e dos irmãos Villas Boas, a sociedade brasileira começou a aprender que a proteção do direito dos índios de ‘viver despido’, ‘morar em palhoças’ e ‘consumir frutos silvestres’ é um sinal de avanço civilizatório nacional. Essa é a base política e moral da demarcação das terras indígenas.” O mortal que interpretar estas sentenças, escritas pelo articulista Demétrio Magnoli no artigo recente “O texto e suas versões”, da Folha de S.Paulo, tenderá a atribuir as aspas internas ao marechal Rondon e aos três irmãos Villas Boas, concluindo: “Como eles eram tolos!” E como eles já morreram, fica o dito pelo não dito.

O velho e bom filósofo grego Aristóteles elencava o paradigma, ou argumento contencioso, entre os falsos raciocínios porque ele se sustenta em citações e opiniões alheias geralmente aceitas – o mais conhecido senso comum. O mesmo articulista Demétrio Magnoli, em texto anterior no mesmo jornal intitulado “Bom dia, tristeza”, utilizou uma longa citação do líder revolucionário bolchevique Leon Trotsky, sem identificar a fonte, para compará-lo ao ex-ministro da Casa Civil da Presidência da República José Dirceu, ao deputado federal, José Genoíno e ao tesoureiro do PT, Delúbio Soares; como zumbis partidários ou militantes comunistas kamikazes.

Já o articulista nº 1 também da Folha de S.Paulo, Hélio Schwartzman, quase nunca dispensa citações, pesquisas e estatísticas estrangeiras de autores não traduzidos, como aconteceu em um dos seus artigos com Shane Dinonson (?) e suas metanálises (!).

Voltando à velha e boa Grécia: Aristóteles, em Dos Argumentos Sofísticos, advertia seus discípulos, entre eles Alexandre o Grande, contra os falsos raciocínios. O diabo é que o filósofo é dado hoje como ultrapassado, especialmente pelos neosofistas de nossa pequena grande imprensa, apesar de ser um dos principais criadores da Filosofia.

Pré-colombianos aculturados

Afinal os tempos mudaram, civilizaram-se definitivamente com a Revolução Industrial e o capitalismo. E não se pode hoje dar fé a um filósofo que dizia, por exemplo: “Se o injusto é em alguns casos bom, então o que é justo também é em alguns casos mau.” O que para Magnoli poderia talvez justificar regimes socialistas. Ou: “Ninguém expressa a menor dúvida sobre se é mais desejável a felicidade ou a riqueza.” Ninguém – na Grécia antiga. Hoje, qualquer cético-liberal-ateu bazofiaria: “Ninguém é idiota de preferir a felicidade à riqueza fora os românticos utópicos de esquerda.”

Para os neosofistas neoliberais, como outro articulista do mesmo jornal, o pensador português João Pereira Coutinho, os palestinos deveriam chorar ao invés de comemorar a morte de Sharon. Ele afinal não possibilitou o Estado palestino?, pergunta num de seus esclarecedores artigos.

Na mesma linha, ainda que em outro continente, Magnoli pondera, em “Arco, a flexa e o avião”, que o Brasil não tem índios, já que como Darcy Ribeiro teria dito (segundo Demétrio e não se sabe onde) que o que aqui existe são pré-colombianos aculturados, de calção e sandálias havaianas. Quando não “evangélicos motorizados, que residem em casas de madeira com eletricidade”.

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Zulcy Borges de Souza é jornalista (Itajubá, MG)