Em 1974, o general Ernesto Geisel assumia a presidência da República prometendo abrandar a ditadura. Havia grande expectativa de maior liberdade de imprensa, investigação de crimes e participação da sociedade civil no governo. O plano do general deu errado. A democracia não veio. Pelo contrário, a ditadura tomou mais força. No dia 25 de outubro do ano seguinte, em um sábado, o jornalista Vladimir Herzog era enforcado por militares nos porões do DOI-Codi, em São Paulo, enquanto prestava esclarecimentos sobre ligações e atividades criminosas. Suicídio, disseram seus assassinos. Até hoje, o rosto de seus matadores é desconhecido.
Em 2013, no mês de junho, o mesmo país que há 28 anos vivia em uma democracia, é tomado por multidões. Milhares saem às ruas contra o sistema político. O movimento chacoalha o Brasil, mas não arranca respostas do poder público. Partidos, associações representativas e movimentos de classe são colocados em xeque. Os protestos seguem e ganham um ingrediente: violência gratuita. E menos de um ano depois do surgimento dessa onda, no dia 6 de fevereiro de 2014, o cinegrafista Santiago Andrade tem a cabeça atingida por um rojão enquanto cobria uma manifestação. Morre quatro dias depois. O disparo vem das mãos de um mascarado, um black bloc. Uma casualidade, disseram os entusiastas da violência em manifestações populares. Em comum nos dois casos: os riscos da atividade de comunicar.
Na mesma proporção que o movimento de junho foi ganhando força país afora, criou-se um clima de hostilidade contra jornalistas. Sobretudo com os que fazem parte da chamada “grande mídia”. Repórteres, cinegrafistas e fotógrafos que cobriam as marchas deviam esconder seus crachás e logotipos dos veículos de comunicação em microfones e câmeras. Trabalhou-se em uma clandestinidade, tal qual os heróis que, como Vlado, se submeteram durante a ditadura. Eu mesmo, enquanto cobria uma passeata, fui orientado por policiais a esconder meu crachá, sob o risco de ser agredido. Com medo, emissoras enviam às ruas repórteres não tão conhecidos do público geral. Carros de empresas de comunicação foram depredados, assim como seus prédios. Em plena democracia, pedras eram arremessadas nas vidraças das redações. Jornalistas tiveram de buscar refúgios dentro dos próprios locais de trabalho.
Sabotadores da democracia
Vladimir Herzog morreu para que nós, jornalistas, tivéssemos liberdade para informar a sociedade. Não é isso que acontece. Num arroubo de autoritarismo, o grupo que hostiliza jornalistas impõe o seu ódio à mídia, cerceando à liberdade de expressão. Sob a batuta da ‘manipulação’ essa linha de manifestantes persegue não só as emissoras, mas também jornalistas profissionais. É pouco inteligente crer que, atualmente, com a enormidade de fontes noticiosas disponíveis, a sociedade seja manipulada pela mídia. O controle da imprensa é o clique no site, o compartilhamento nas redes sociais e a troca de canal.
Não há uma só verdade no processo de comunicação, assim como não há só um canal. Temos uma imensidão de pontos de vista disponíveis na internet, TV a cabo, inúmeras rádios e periódicos impressos. Se não gosta do canal A ou B, ou do jornalista Sicrano ou Beltrano, busque os seus pares de informação. Vivemos, felizmente, em um mundo plural. E assim devemos cobrar que a imprensa seja. A melhor maneira de retaliação aos veículos de comunicação é não consumir os seus produtos.
A morte de Herzog foi o ponto de partida para a resistência à violência da ditadura. Que o trágico assassinato de Santiago Andrade também seja mola propulsora para a punição dos inimigos da liberdade. Que se conheça o rosto destes sabotadores da democracia e que as marchas populares sejam as protagonistas, não a violência que o acompanha. E autoridades deem mais segurança não só para os jornalistas, mas para toda sociedade.
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Igor Amaral é estudante de Jornalismo, Porto Alegre, RS