Quem são os correspondentes internacionais? Qual é a formação profissional e acadêmica desses profissionais? O que muda para os correspondentes com essa tal Era Digital? Essas são algumas questões que tentamos esclarecer com o lançamento do Manual do Correspondente Internacional na Era Digital, que aconteceu recentemente no Rio de Janeiro.
Durante quase um século, o posto de correspondente estrangeiro foi considerado a função mais glamourosa na carreira de um jornalista profissional. Parece brincadeira, mas é quase sério. Apesar de todas as críticas, ameaças e riscos ainda tem muitos jovens jornalistas que almejam se tornar “correspondentes internacionais”. O problema é que eles não sabem como. Ser correspondente é uma daquelas funções dos jornalistas que teoricamente exigem muita experiência.
Mas você nunca vai conseguir a tal experiência a não ser que… seja um correspondente. Como resolver esse impasse? É difícil, mas não é impossível. Você tem duas opções: ser muito rico e bancar um longo período de desemprego ou pequenos “frilas” no exterior ou ser um daqueles abençoados com um enorme Q.I, ou seja “quem indica”. O QI ainda é uma das maneiras mais recorrentes no jornalismo brasileiro para se conseguir um bom emprego ou uma boa colocação no exterior como correspondente internacional.
Nunca houve seleção interna com critérios claros e transparentes, curso especializado para formar profissionais ou preparação adequada para se tornar correspondente internacional. Os futuros profissionais eram, e aqui entre nós, ainda são treinados “na vida” e selecionados por motivos misteriosos e secretos. Em verdade, tanto faz! Não há um processo claro e definido para ser correspondente internacional, assim como não há critérios para muitas coisas em jornalismo.
Acreditamos muito em um indefinível e fundamental conceito da nossa profissão: o “faro jornalístico”. Ainda incentivamos o “achismo” em nossas publicações e, principalmente, confiamos muito nas nossas… amizades! Para os mais jovens e sem Q.I. (“quem indica”, padrinhos, aliados, amigos ou amantes), ser correspondente no exterior sempre foi sonho quase impossível. Mas também há sempre a possibilidade de convocação por qualificação e merecimento. Insisto. É raro, mas existe.
Para os jornalistas mais famosos e poderosos, posto no exterior sempre foi mera questão de confiança, amizade e “negociação”. Quem sabe… conhece e quem não sabe, deve aprender logo ou jamais vai saber!
Mas assim como o mundo, o jornalismo está mudando! Hoje, no Brasil e fora dele, correspondente internacional está rapidamente se tornando um jovem jornalista que sabe fazer tudo ou “quase” tudo, por salários razoáveis ou por pagamentos negociados para matérias produzidas. O correspondente da Era Digital vive e “sobrevive” espalhado pelos “buracos” do mundo como “frila” (profissional autônomo) operando seus kits correspondentes virtuais.
Amizades e desafios
Tem jornalista brasileiro – muito dedicado e competente – trabalhando na Nova Zelândia, na Índia, na China e até mesmo na África. Acreditam no espírito de aventura e ousadia que também já foram tão típicos da profissão. Dispensam o caminho único dos “veículos de prestígio”. Ou seja, o correspondente se tornou um jornalista sem vínculos fixos com as empresas jornalísticas. Um profissional que sabe fazer tudo ou quase tudo… sozinho. Ou seja, o novo correspondente na Era Digital deve fazer bom jornalismo, mas também tem que aprender a vender o produto de seu trabalho. Precisa ser um “empreendedor” e sobreviver com o produto regular do seu trabalho em qualquer lugar do mundo.
Um jornalista que aprendeu a “matar um tigre” todos os dias na verdadeira “selva” que se tornaram as coberturas internacionais em tempos de internet. Sei bem o quanto isso é difícil.
Em tempos analógicos, tive que fazer algo semelhante no Brasil quando era correspondente estrangeiro em meu próprio país para a maior agência de notícias para TV do mundo na época, a WTN, Worldwide TV News. Em um país periférico e desimportante como o Brasil tinha que matar vários tigres todos os dias para sobreviver em um cenário muito competitivo de notícias veiculadas pelas grandes agências internacionais.
Minhas matérias sobre desastres naturais como as recorrentes enchentes nas grandes capitais e os famigerados incêndios na Amazônia tinham que competir com centenas de mortos em guerras civis na África, furacões no Caribe ou tsunamis na Tailândia. Não é a “nada mole” a vida do correspondente na Era Digital em tempos de enxugamentos de orçamentos na cobertura internacional pelos grandes veículos brasileiros e estrangeiros.
Por motivos econômicos, editoriais ou por motivos que a própria razão desconhece, os correspondentes internacionais precisam e procuram encontrar alternativas para a crise no jornalismo. Buscam nas novas tecnologias, novas linguagens, formatos e também maneiras de sobreviver na profissão e no exterior.
Como é ou como deveria ser a formação dos correspondentes internacionais em plena Era Digital? Para mim, a resposta é clara. Assim como o jornalismo e os correspondentes, os cursos de Jornalismo precisam mudar para sobreviver.
Em vez de redações ou cursos engessados com muitas metas de superação e pouco espaço para a inovação e para “erros criativos” no caso das empresas, deveríamos permitir que os alunos de jornalismo aprofundassem seus interesses e talentos individuais em disciplinas mais voltadas para a realidade da profissão e menos disciplinas de “generalidades” disfarçadas de “humanísticas ou sociais”.
No atual modelo dos cursos de jornalismo brasileiros tudo é obrigatório e tudo cabe. Da sociologia à antropologia, da filosofia aos cursos de primeiros socorros e de defesa pessoal, tudo é essencial para o futuro jornalista. Na visão generalista predominante nos cursos de Jornalismo, tudo é fundamental para a formação do jornalista. Tudo, menos o jornalismo. Um dos maiores problemas dos cursos de jornalismo brasileiros é a evasão dos alunos logo nos primeiros anos.
A procura pelo glamour da profissão ainda é grande. Mas é proporcional à decepção com a maioria dos cursos. Essa evasão é ainda mais acentuada entre os melhores alunos de jornalismo – aqueles alunos e alunas que já possuem a veia crítica, o faro jornalístico e o sentido da indignação tão típicos da nossa profissão. Engessado e pouco criativo, o curso de Jornalismo tende a valorizar uma nova categoria de “bons” alunos e péssimos jornalistas.
Ou seja, bons alunos são aqueles que cumprem tarefas teóricas e burocráticas das disciplinas humanísticas do currículo. Mas eles dificilmente serão jornalistas ou correspondentes de verdade. Muitos não possuem o talento e a paixão pela profissão ou pela reportagem. No formato atual, os cursos de Comunicação e Jornalismo se transformaram em ponto de encontro dos alunos “perdidos”. Aqueles que ainda não sabem quem são no presente ou o que querem fazer no futuro. Em comum, a única certeza: “odiamos física, química e matemática”.
Em 2011 a Universidade Federal de Santa Catarina ofereceu como cadeira optativa a disciplina de Jornalismo Internacional. Naquela ocasião, propus como principal objetivo para a disciplina tentar desvendar os segredos da formação dos futuros correspondentes internacionais em tempos de novas oportunidades com as tecnologias digitais e ameaças de desemprego com a crise no jornalismo.
Para melhor compreensão da rotina e desafios dos correspondentes, foram realizadas pelos alunos entrevistas com diversos correspondentes experientes, frilas, editores de publicações internacionais, brasileiros que trabalham pelo globo e estrangeiros que levam notícias do Brasil para o mundo. Como diz o meu ex-chefe no bureau da Globo em Londres nos anos 1980: ”Hoje nós estamos vivendo no melhor dos tempos e no pior dos tempos ao mesmo tempo. Melhor dos tempos por todas as perspectivas que se abrem com as novas tecnologias e as mudanças que elas estão provocando na área da informação, que é a nossa matéria-prima. Mas se você olhar para o futuro, você verá uma coisa nebulosa onde as dúvidas serão maiores que as certezas… O nosso problema não é mais tecnologia, o grande dilema é o seguinte: como é que as pessoas vão mudar e quais os valores que começam a ser afetados pelos usos das novas tecnologias? É por aí que começa o dilema que nós estamos enfrentando”. E o futuro?
Alguns alunos do curso de jornalismo da UFSC, Felipe Figueira, Maria Luiza Buriham, Renata Bassani e Thales Camargo, resolveram encarar os problemas do presente para se tornarem jornalistas internacionais no futuro. Eles criaram o projeto Correspondente Universitário e estão na Europa pelo programa Sem Fronteiras. Lá resolveram aproveitar a oportunidade para produzir uma série de reportagens internacionais que serão veiculadas na internet e oferecidas para as televisões brasileiras.
A proposta é utilizar uma linguagem multimídia mais jovem e descontraída em reportagens e coberturas internacionais que mostram o choque cultural, as novas amizades e os desafios que estudantes brasileiros encontram na Europa ao sair de casa para o sonhado intercâmbio acadêmico. Ou seja, os jovens estudantes da UFSC estão criando novas e inusitadas oportunidades profissionais para conseguirem realizar o sonho de ser um correspondente internacional.
Sair de casa
Ser correspondente internacional não deveria ser prêmio ou oportunidade para passar alguns anos desfrutando um “vidão” no exterior. Ser correspondente internacional deveria significar uma vontade muito grande de viajar pelo mundo a qualquer custo e sempre em busca de boas pautas com pouquíssimo dinheiro no bolso, muitas ideias ou pautas na cabeça e muita coragem para enfrentar as dificuldades.
Agora, se você ainda quer ser “correspondente internacional”, pare de ficar sonhando ou adiando suas decisões. Estude bastante, leia bons livros e o mais importante: não perca mais tanto tempo na internet e no Facebook. Saia de casa. Ponha o pé e a cabeça na estrada e… boa sorte. Você vai precisar!