Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Fumaça e fogo

A decisão da rede de farmácias americana CVS Caremark de não vender mais cigarros em suas 7.600 unidades espalhadas pelos EUA a partir de outubro acendeu um debate importante sobre o novo papel das empresas no mundo que estamos construindo. As empresas agora ganham dinheiro com o que elas fazem e também com o que elas não fazem. É fundamental ter uma mentalidade moderna, contemporânea. Cuidar de toda a cadeia de produção e de toda a cadeia de consumo como etapas fundamentais da sua atividade. Como seu produto é descartado pode ser tão importante quanto como ele é fabricado.

A CVS, ao banir os cigarros de suas lojas, abriu mão de receitas estimadas em até US$ 2 bilhões por ano declaradamente em nome da saúde de seus clientes. “Temos cerca de 26 mil farmacêuticos e enfermeiras ajudando nossos clientes a lidar com problemas crônicos como pressão alta e doenças cardíacas, todos eles ligados ao hábito de fumar”, disse Larry Merlo, presidente-executivo da CVS. “Encerrar as vendas de cigarros em nossas lojas é o correto para os nossos clientes e para a nossa companhia. A venda de cigarros não combina com os nossos propósitos”, completou o líder da CVS, uma empresa listada na Bolsa de Valores de Nova York.

Onde não há fumaça, há fogo. Nos dias seguintes ao anúncio da perda bilionária de receita, as ações da companhia subiram cerca de 5%.

Existe também uma explicação de posicionamento nessa movimentação. A CVS quer evoluir de uma rede de lojas de varejo com foco em saúde para uma rede de miniclínicas de saúde e beleza, modelo que considera mais atraente para o futuro dos seus negócios. Como explicou outro executivo da empresa em conferência com analistas de mercado, a decisão de banir a venda de cigarros é uma forma de aumentar a conexão com os consumidores e fomentar sua lealdade à marca CVS.

“Exemplo formidável”

Os puros de sempre dirão que isso tudo é puro marketing. Estão de certo modo certos. E essa é a grande beleza. Que bom que bom marketing hoje signifique também eliminar a venda de produtos lucrativos para a companhia, mas danosos à comunidade.

O Google, ícone da nossa era, tem como lema informal don’t be evil (não seja mau), embora, claro, seus concorrentes discordem. Cada vez mais e mais empresas entendem seu papel social e o exercem de forma transformadora dentro dos seus limites.

As empresas serão sempre empresas. Não são nem podem ser ONGs. Elas têm compromissos com seus acionistas e precisam dar bom retorno ao capital nelas aplicado. Essa é sua primeira missão e também a sua força matriz. Mas tenho falado constantemente nesta coluna sobre a necessidade de as empresas buscarem, além do lucro líquido, o orgulho líquido. Se, contabilizado o lucro líquido, não sobrar orgulho líquido, no futuro pode não sobrar nada. E criar orgulho é muito mais difícil do que criar lucro.

A decisão da gigante de farmácias norte-americana de banir os cigarros em suas lojas e assumir perda de bilhões em vendas é um marco nessa direção de mão única para as empresas prosperarem no século 21.

O desafio dos melhores lucros dentro das melhores práticas vai impulsionar empresas e inovações. Como tudo e todos, a publicidade também está sendo chamada às suas responsabilidades. E o que me anima muito é que o novo marketing é o instrumento talhado para acessar, liberar e conduzir o potencial social natural que existe em toda empresa.

Tanto que o gesto da CVS teve enorme repercussão. Foi saudado por autoridades médicas e lideranças políticas. Até o presidente Barack Obama fez questão de elogiar: “Como uma das principais redes de varejo e de farmácias da América, a CVS dá um exemplo formidável. Essa decisão ajudará nos esforços para reduzir mortes relacionadas ao fumo, ao câncer e às doenças do coração, assim como reduzirá os gastos com saúde”, disse comunicado do presidente divulgado no mesmo dia do anúncio da empresa.

O elogio presidencial pode ter custado US$ 2 bilhões à CVS, mas eu tenho a impressão de que valeu cada centavo.

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Nizan Guanaes, publicitário e presidente do Grupo ABC, é colunista da Folha de S.Paulo