Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A ‘invasão’ do entretenimento na mídia

A mídia quer envolver e fazer seu público se envolver em uma teia que o faça ficar cada vez mais atento aos conteúdos que são exibidos. Nesse sentido, se engana quem pensa que os jornais, atualmente, apenas se detêm ao falar das notícias que possuem um caráter realmente sério, onde não há espaço para o riso ou qualquer outro tipo de reação que esboce uma alegria. Atualmente, tem sido cada vez mais natural ver o entretenimento ganhar espaço em publicações consagradas do jornalismo. Uma rápida busca na internet nos faz perceber a diversidade de conteúdos que poderiam causar prejuízos para as imagens desses veículos de comunicação.

Como exemplo podemos usar o espaço que a o site da Veja SP deu para os minutos de fama do chamado “Rei do Camarote”. Uma simples busca sinaliza que o site de uma das revistas mais importantes e conhecidas no Brasil destinou nove matérias para esse personagem tão bem moldado e trabalhado para a mídia. Podemos usar o argumento de que a internet foi um fator propulsor, o que não deixa de ser verdade, mas também é a forma como o entretenimento é visto como um produto valioso.

Outro clássico caso que mostra como a internet colabora para abastecer a mídia com o entretenimento foi a repercussão do “Luiza que está no Canadá”. Em um comercial que exibia uma família feliz e unida, o pai, tão orgulhoso, ressaltou que estava faltando apenas a sua filha Luiza que, no momento, estava no Canadá. Não demorou muito para que a frase se tornasse um “viral” na internet. De uma hora para outra, a fala do pai da moça estava sofrendo uma reprodução massiva nas redes sociais. Dessa forma, Luiza tornou-se uma celebridade instantânea. De tamanha a repercussão, o episódio acabou se tornando pauta de telejornais como Jornal Hoje e Bom dia Brasil. Além disso, Luiza também não passou despercebida por sites como UOL e G1.

É importante ressaltar que, enquanto o G1 se deteve em falar da ascensão de Luiza, o UOL destacou o fato de que a garota, em um primeiro instante, se sentiu apavorada com a situação em que se encontrava envolvida. Em pouco tempo, o perfil dela no Facebook ficou repleto de notificações e solicitações de amizade. Esse é um dos efeitos que a fama repentina aliada ao poder da mídia de fabricar celebridades proporciona: de colocar pessoas, até então desconhecidas, em um circuito de matérias em telejornais, jornais impressos e sites. Na vitrine dos produtos midiáticos, as celebridades instantâneas são produtos valiosos durante o tempo em que sua exposição perdura.

Formas de entreter

Mais um personagem frequente no entretenimento midiático é o Mister Katra. No ano passado, o Fantástico exibiu uma matéria do terceiro casamento do funkeiro, que é praticante poligamia. O detalhe é que em momento algum a matéria foi tratada como qualquer matéria. Pelo contrário, teve amplo espaço nas chamadas do programa durante a semana, que a anunciavam como um dos destaques da revista eletrônica dominical da Globo. Por mais que se trate de um programa que, desde o começo, teve no entretenimento um dos seus “tentáculos editoriais”, a ideia de um representante do funk ser personagem principal desse programa em uma outra época seria impensável. Não se trata de uma visão preconceituosa, mas sim de uma tese plausível. Mas o tempo passou e transformações ocorreram. O próprio crescimento e a generalização do funk enquanto gênero musical para as mais diversas classes sociais são fatores determinantes para que esse tipo de reportagem ocorresse. Aliás, não somente na Rede Globo como também em outras emissoras o funk segue ganhando cada vez mais terreno.

Não é preciso ir muito longe para descobrir como o entretenimento pode se manifestar nas suas mais variadas formas. O jornalismo paraibano (e devemos também ver isso pela perspectiva de um problema) tem feito do segmento destinado à área policial uma perigosa combinação entre o entretenimento, o espetáculo e o sensacionalismo. Tais aspectos dão para a narrativa desse tipo de jornalismo um tom até mesmo humorístico e teatral que pode ser capaz de atrair audiência, mas que pode deixar em segundo plano um fator de extrema importância ao se trabalhar com o cotidiano policial: a apuração dos fatos. Os programas que se interessam diretamente em mostrar a tragédia e o sangue são passíveis de cometer o erro de deixar de praticar a indicada e correta prática jornalística.

Repleto de exemplos, o entretenimento é um indicativo de que a mídia está longe de se resumir em um mecanismo óbvio e desprovido de complexidade. A forma como ela pode abordar vários assuntos leva à compreensão do quanto o mundo midiático pode fabricar uma infinidade de formas de entreter. Aliás, a mídia acompanha as mudanças no conceito de entretenimento, visto que a forma pela qual ele era mostrado há 30 anos para o público é diferente da maneira de como é transmitida hoje.

Até onde ir?

A mídia não é e jamais deve ser um retrato de um cenário mórbido e tedioso, rodeado pelo pragmatismo e desprovido da criatividade necessária para o seu sustento. O entretenimento é o instrumento que dinamiza e, muitas vezes, se torna uma distração e desafogo das tensões do mundo moderno (ou mesmo mais uma forma de se manter nela), mas é importante que se saiba que nem sempre é o momento de entreter e divertir. As situações em que se deve falar sério ainda existem.

Quando o ato de informar de uma maneira séria e que vise a conscientizar a sociedade sobre algum problema, a presença de elementos que façam com que o público não distinga o que seja entretenimento e a emissão de uma notícia pode ser prejudicial. Da mesma forma que, se um site, telejornal ou outro veículo de comunicação passa a ceder a mais espaço para os eventos inerentes às celebridades do que os problemas que cercam a sociedade, estaria sendo descaracterizada a função de fazer um jornalismo que atente para a realidade e os anseios sociais.

Não é que programas como o Fantástico ou Domingo Espetacular (Record), ou sites e jornais como Folha de S.Paulo ou UOL, estejam errados ao fornecer conteúdos que promovam o entretenimento, mas o equilíbrio deve existir. É perigoso saber que as pessoas podem estar procurando ler mais colunas sociais do que se informar sobre os rumos da política e outras sérias questões que circulam no país. O ato de entreter deve existir pelo fato de que as pessoas gostam e, também, por aquecer um mercado que movimenta milhões; mas, por que não deliberar sobre um balanceamento, um equilíbrio que permita com que a mídia não seja um mar de distração?

E não há como não pensar nas muitas perguntas que não querem calar em torno desse tema. Desde a curiosidade de saber quantas mais “Luizas, que estavam no Canadá”, vão surgir para ocupar a parcela de tempo de algum telejornal ou até que ponto o entretenimento será de valia para a mídia. Não é pretensão de afirmar ou mesmo de se precipitar, mas basta pensar na forma como tudo eclode em uma velocidade gradativamente elevada e no desejo que a própria sociedade alimenta de se distrair para saber que as pessoas gostam e querem se entreter. Isso pode não mudar os rumos da economia, mas elas gostam. A mídia não cria e insere nada em seu campo à toa. Na verdade, ela reproduz e adapta, de acordo com a sua lógica, muitas das coisas que há muito tempo já fazem parte desse mundo em que vivemos. O entretenimento, de fato, antes de invadir a mídia, já existia desde sempre.

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Geovanni Garcia Ferraz é estudante, Boa Vista, PB