Não houve nenhum “duelo de extremos”, como previu o jornal O Globo, do Rio de janeiro (sábado, 8/3, pg.6) no início de março. Seu portal na web, o G1 (22/3) informou que cerca de 200 pessoas no Rio de Janeiro “tentaram reeditar a Marcha das Famílias com Deus pela Liberdade” de 1964. Em São Paulo, o mesmo site informou que o major da PM Genivaldo Antônio, encarregado da segurança no local, contou aproximadamente mil pessoas no protesto. O Centro de Operações da PM informou a presença de 500 participantes.
No Rio de Janeiro, em 1964, 2 milhões de pessoas foram às ruas apoiar a tomada do poder pelos militares, segundo o CPDOC da Fundação Getúlio Vargas (sem data). Em São Paulo, no dia 19 de março, 300 mil pessoas, incluindo políticos importantes, membros do clero e do empresariado foram às ruas pedir socorro aos generais golpistas. O governador do estado, Adhemar de Barros, foi representado por sua mulher Leonor naquele dia de 1964.
Em março de 2014, no Rio de Janeiro não houve confronto. Um chute de um partidário da intervenção militar aplicado em um oponente à marcha das “famílias” foi revidado por jovens democratas organizados contra a insana marcha. Um princípio de tumulto foi dissolvido pela PM, que afastou os dois grupos. O portal do Globo comentou:
“Os ânimos ficaram exaltados entre as duas partes. Na praça em frente ao palácio, os policiais fizeram um cordão de isolamento entre os dois grupos, que trocavam ofensas mútuas. Um integrante da Marcha da Família ultrapassou o cordão policial e agrediu um manifestante oposto com um chute. Houve revide e um pequeno tumulto se formou. Os policiais intervieram e afastaram o grupo menor, contrário às forças policiais, que se refugiou ao lado da Central do Brasil.”
Contexto histórico que já não existe
Há uma boa dose de ambiguidade neste parágrafo: os democratas que interferiram na marcha dos insanos estavam em posição geográfica contrária à polícia, ou dispostos a agir contra ela? O texto foi mal redigido e permite leituras e conclusões equivocadas. Em São Paulo a marcha foi ainda mais tranquila. Manifestantes dos dois lados opostos não se cruzaram nas ruas. Um suposto petista foi expulso do protesto reacionário. Fãs da banda Mettalica foram confundidos com black blocs e “chamados de lixo”, publicou o G1 (22/3).
Fora do eixo Rio-São Paulo, o movimento nanico que quer a intervenção militar no Brasil não existiu: virou “gancho” para a imprensa explicar melhor ao público o que foram as verdadeiras marchas de 50 anos atrás. O povo brasileiro hoje em dia não tem nenhuma simpatia pelo “comunismo”. Preferem embarcar na onda consumista incentivada pelo governo. Querem comprar mais e consumir o que antes era privilégio de uns poucos: carros, eletrodomésticos sofisticados, roupas de grife e marcas internacionais. Nas favelas do Rio, o funk-ostentação louva com paixão o consumo de bens de luxo e sua exibição pública. O povo quer consumir. E o consumo da população sempre foi calcanhar de Aquiles do comunismo, que nunca conseguiu prover a sociedade com os bens ordinários de consumo diário.
Houve uma brecha para uma virada à esquerda, em 1964. Mas ela não tinha apoio popular e se fosse adiante não sobreviveria ao conservadorismo da sociedade, às pressões internacionais e à reação dos militares, que aguardavam desde 1954 uma nova crise institucional e política para tomar o poder.
A realidade é que a marcha murchou e sinalizou o fracasso das tentativas de aterrorizar a população com ameaças retiradas de um contexto histórico que já não existe na face da Terra desde o final da Guerra Fria.
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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor