Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os representantes da velha nova guerra fria nas novas mídias

O que dizer do perfil destas pessoas que convocam via mídias sociais para a marcha de Deus (ver aqui)? Intelectualmente, nada. Como dizia o Barão de Itararé, “De onde menos se espera é que não sai nada mesmo.” Politicamente, muita coisa. Um retrato de um espécimen, criado e cevado pela ditadura, de não-cidadão, de apolítico, de alguém que tem horror a mudanças sociais, políticas e econômicas. Um tipo de pessoa talhada para não ser cidadão, apenas consumidor, cioso de seus privilégios, individualista, que odeia a militância politica, a politica e os políticos, a quem vê como inimigo a ser eliminado. Portanto, um alienado político moldado, ajudado, depois da redemocratização, pela grande mídia, que cuida com zelo desta herança, a única capaz de proteger os seus privilégios de representante e porta- voz da Casa Grande.

Está claro para o pessoal da Casa Grande que ajudar a formar um cidadão esclarecido, cioso de seus direitos, que combate as desigualdades sociais, raciais e econômicas, mina e trabalha contra seus interesses como elite que vive parasitariamente da concentração de renda e das benesses da distinção social advinda das diferenças brutais criadoras de um abismo entre as classes sociais. Os fatos recentes demonstraram, fartamente, a insatisfação destes através da grita contra a bolsa-família, contra os médicos cubanos, contra a legislação a favor de direitos das empregadas domésticas, contra o financiamento do Prouni para pessoas despossuídas de recursos poderem frequentar a universidade.

Toda esta onda de mudanças indesejadas fez acender um sinal verde de alerta (aqui no Sul tem um dito popular bom para caracterizar este tipo de medo: preteou o olho da gateada. Gateada, em gauchês, é gato) para os beneficiários dos privilégios da Casa Grande e, em especial, para os aspirantes à Casa Grande, que são muitos, como bem lembrou Mino Carta recentemente.

“Ditadura foi o melhor que poderia ter acontecido”

A identificação da fonte dos males foi imediata: o PT. Daí a razão de toda uma estratégia para conquista dos corações e mentes do leitor e do telespectador para valores adequados à Casa Grande e nesta empreitada pode- se dizer que, pelo menos junto à classe média, estamos diante de uma tentativa bem-sucedida, apesar das ações dos grupos democráticos e progressistas estarem crescendo e tendo um avanço nas chamadas mídias sociais e constituindo-se como um contrapeso importante. Nesta estratégia merece destaque o papel da TV com sua inegável abrangência e capacidade de penetração, que chega até nos mais recônditos grotões. Além disso, uma pesquisa recente da Secom (vide artigo de Luciano Martins Costa) demonstrou o quanto é quantitativamente pequeno o número relativo a leitores de jornal impresso no país e, por consequência, o quanto é hegemônica a cultura visual.

No caso dos depoentes do vídeo, salta aos olhos a indigência cultural e política. São representantes de uma classe social formada dentro dos rígidos preceitos, citados nos parágrafos anteriores, da Casa Grande. Gente criada com uma dieta pobre de razão e rica em preconceitos de classe social e de raça mal escondidos no vídeo embora se perceba uma tentativa, não bem-sucedida, de escamoteá-los. A falta de senso democrático e a intolerância ao diferente se revelam quando o sujeito diz que não quer ser governado por alguém inferior intelectualmente, por alguém que não sabe falar bem português (como se política fosse direito exclusivo de uma nobreza. Demonstrando assim que, para gente como ele, no Brasil, por não ter monarquia, criou seu sucedâneo, o diploma universitário, que é utilizado como título de nobreza), quando o agropecuarista junta black-blocs, rolezinho, com sem- terras, quando a empresária põe em dúvida o resultado das eleições (ela só faz esta crítica porque o resultado não a agradou, pois ao comentar adiante que a ditadura foi o melhor que poderia ter acontecido revela que eleições e democracia não são preocupações importantes para ela, na verdade).

Discurso típico da Guerra Fria

Nem sei se é uma cultura política feita em cima da leitura de jornais. Mais parece que estamos diante de pessoas pouco afeitas a qualquer tipo de leitura, mesmo a de jornais e revistas semanais da grande mídia. Se leem, leem muito pouco, e, provavelmente devem centrar suas atenções nos escritos de formadores de opinião tipo Diogo Mainardi, Reinaldo Azevedo, Merval Pereira, Lobão ou lendo e acompanhando os “educativos” e “equilibrados” comentários do Arnaldo Jabor, que se esfalfa, já que a disputa está se tornando cada vez mais acirrada para continuar no papel de melhor cover de Paulo Francis.

A julgar pelo teor dos comentários maniqueístas, ultradireitista e “fora da casinha” onde se destacam frases como “Somos governados por uma nova ordem mundial” “Quem governa o mundo é o barão de Rothschild (aqui, o sujeito é traído pelo seu inconsciente ou por seu primarismo. Foi buscar, justamente, um judeu para personificar o mal, o poder)”, “Sarney, o gerente- mor do dono do mundo”, “O Collor está fora deste grupo, ele foi usado”, “Dentro do contexto (a ditadura) foi o melhor que poderia ter acontecido”, eles estão mais para o discurso típico da guerra fria e ninguém melhor para representar esta vertente de pensamento do que Olavo de Carvalho, que não saiu daquela época. Ele vive, como já disse em outro artigo neste mesmo Observatório da Imprensa, congelado no tempo da Guerra Fria. E este pessoal segue sua sina.

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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS