Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A imprensa mudou

Quando comecei a trabalhar na imprensa, no remotíssimo século 20, o grosso do noticiário dos jornais – eram muitos, então –, o assunto capaz de atrair o leitor, era a campanha frustrada contra o jogo do bicho. Havia fortalezas em todos os cantos da cidade e do país, o nome dos principais bicheiros era conhecido e tinha o privilégio de abastecer não apenas a editoria policial, mas as colunas sociais.

O casamento da filha mais velha de um deles merecia colunas com fotos, o cardápio do coquetel ou do banquete, a relação das celebridades e às vezes das autoridades, dos esportes, das artes em geral e até do clero. Um núncio apostólico, em nome de Sua Santidade reinante, transmitia suas bênçãos aos nubentes e suas famílias.

Eventualmente, saía um editorial em página nobre, chamando a atenção da sociedade para aquele tipo de contravenção. Mas ninguém dava bola para os formadores de opinião. A maioria deles eram fregueses ou amigos do peito dos principais corretores zoológicos, que sempre davam um jeito de premiar um assessor do prefeito do então Distrito Federal. Um delegado de Madureira ganhou uma bolada porque apostou no cavalo. Teve foto e biografia na capa do segundo caderno.

Escândalos são atraentes

No formoso e complicado século 21, os bicheiros e suas fortalezas deixaram de ser atrativos. Foram substituídos por parlamentares e banqueiros (não do bicho, mas da Bolsa de Valores). Todos os dias, eles estão em todas as mídias, no comércio, na indústria e nos esportes. A variante é quando um ministro usa um avião do governo para ir ao batizado do filho do dono de vários pontos de Olaria.

Hoje ninguém quer saber dos bicheiros. A qualidade e o prestígio de um jornal ou de um colunista são os escândalos mais numerosos que descobrem do que bancas do bicho. Mensalão, Petrobras, aeroportos, estádios são mais atraentes do que uma vaca cercada pelos sete lados.

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Carlos Heitor Cony é colunista da Folha de S.Paulo