São estilos, hábitos e costumes que moldam a sociedade, mas nem o jornalismo virtual estimulado pelas redes sociais está conseguindo acompanhar na sua totalidade essa dinâmica da sociedade brasileira nas últimas duas décadas. Assim, quem se desligar das redes apenas por uma semana, ao voltar, vai ter uma surpresa: vai entender pouco as mensagens nela veiculadas.
As redes sociais aparecem hoje como uma gangorra, com suas oscilações para baixo e para cima, operando a uma velocidade a exigir a produção de um novo relógio com milésimos de segundos porque dura o tempo de fechar e abrir os olhos.
Em painéis velozes, onde desfilam do pastor ético ao traficante de drogas e armas cada um vendendo o seu peixe aos incautos de toda ordem, há um panorama mundial em que reluzem das xícaras de ouro usadas pelo afilhado de Vladimir Putin, o ex-presidente da Ucrânia, Viktor Yanuvsch, à obscuridade dos milhares de crianças que morrem de fome entre os refugiados da Somália em busca de salvação no Oriente pelo Pacífico.
Do iluminismo (1751-1772) ao naturalismo (1812-1867), do realismo (1850-1880) ao surrealismo (1920) do romantismo (séculos 18 e 19) ao modernismo (a partir da metade do século 20) até chegarmos ao surrealismo fantástico (anos 1970) na literatura com o estilo criado e desenvolvido pelo romancista colombiano Gabriel García Márquez, celebrado em seu famoso Cem Anos de Solidão, foram decorridos pouco mais de três séculos. Daí em diante, longe das contingências desses modelos, mas de alguma forma insuflados por eles, os formatos jornalísticos predominantes foram o norte-americano e o francês, no bojo dos quais surgiram dois grandes jornalistas-escritores: Ernest Hemingway e Albert Camus.Com eles o jornalismo se consagrou como uma atividade para-literária. E a literatura ganhou um caminho natural para se abastecer.
Os grandes desafios
Mas tanto um como o outro detinham a chamada percepção sociológica. Não fosse isso, nem Hemingway de Adeus às Armas nem Camus de A Peste teriam transformado um relato sobre um evento histórico daquelas dimensões e proporções num corte social a apontar uma janela de observação das perspectivas de conhecimento para a humanidade.
Sem mais ser refém dos relatos bíblicos, a história da humanidade passou a ser reescrita pelo simples relato do estilo das roupas, hábitos e dos costumes alimentares das pessoas. Do mesmo jeito em que o historiador Arnold Joseph Toynbee (1889-1975) aguçou seu olhar sobre a história da humanidade sob o ponto de vista da violência.
Não custa nada repisar: novo jornalismo e a literatura do nosso tempo não podem obscurecer ou se omitirem em relação às profundas transformações que estão ocorrendo no interior da sociedade, e não é só a brasileira. As mudanças climáticas alteram a vida no planeta. Como os recursos naturais já sinalizam pelo esgotamento, estão se acelerando as pesquisas sobre as possibilidades de sobrevivência humana em outros planetas antes da destruição total da terra. Até há algum tempo isso era apenas ficção mas o alerta final acaba de ser dado pela Organização das Nações Unidas (ONU): não há mais como manter o atual padrão de autoflagelamento e destruição.
Os jornalistas e escritores que ainda militam estão diante de grandes desafios: apreciarem com profundidade os novos estilos, hábitos, os costumes e linguagens correntes com o cuidado de não serem tragados por elas. Aliás, otimista inveterado, não quero ser pessimista, mas pelo jeito, não sobrará ninguém para contar a história.
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Reinaldo Cabral é jornalista e escritor