No finalzinho de 1974 voltei de vez à Amazônia, depois de alguns anos vivendo entre o Rio e São Paulo. Retornei com um propósito: tentar mudar a forma de tratar a Amazônia no principal jornal brasileiro. Acertara com o dono de O Estado de S. Paulo, Júlio Mesquita Neto, a implantação da primeira sucursal verdadeiramente regional da empresa. Ela teria correspondentes instalados em seis capitais da Amazônia Legal, em mais duas cidades paraenses (Santarém e Marabá) e a sede em Belém, com cinco pessoas.
Não só pelo total de 13 integrantes e cobertura territorial plena, a sucursal seria inovadora por outro elemento: ela teria direito a enviar matérias em texto final para São Paulo, que respeitaria esse conteúdo. A sede podia definir a forma de aproveitamento e corrigir eventuais erros de redação das matérias, mas não mudá-las.
Talvez assim se conseguisse corrigir o enfoque exótico do tratamento aos complexos temas amazônicos e ajudar a nação a se conscientizar da grandeza e peculiaridade da sua maior fronteira, ocupando mais da metade do território nacional. Tinha em mente um episódio, de 1971.
Eu estava em Belém. Fui acionado pela redação paulistana, no meio da noite, a ir até Cruzeiro do Sul, no Acre, para transmitir de lá, se possível, foto de um avião que se acidentara, matando o bispo local. Respondi que talvez em dois dias eu conseguisse a proeza, se tivesse sorte em duas viagens de avião, percorrendo mais de dois mil quilômetros. “Ah, é tão longe assim? Deixa pra lá”, corrigiu-se o meu interlocutor, se apressando a desligar sem dizer mais nada. Provavelmente um repórter chegaria primeiro ao acidente saindo de São Paulo mesmo.
Apoios e críticas
Infelizmente a experiência da sucursal regional não durou muito. Nunca mais a grande imprensa nacional tentou algo parecido. Desde então a Amazônia tem se tornado questão de crescente interesse mundial, mas a cobertura da mídia brasileira só se empobreceu. A prioridade à Amazônia é retórica. O Brasil não conhece de fato essa terra – vasta e devastada. Talvez não venha a conhecê-la jamais. Perdendo progressivamente a sua floresta, a Amazônia é cada vez menos amazônica a cada ano.
Desde 1987 edito este, que encara com seriedade uma frase do poeta William Blake: “Quando o jornal se cala, é o povo que se cala”. É um espaço reservado à Amazônia real, sem desvios e incompreensões coloniais, sem cinismo e selvageria. Também me empenho em abrir frestas na mídia nacional, como consegui alguns anos atrás, por meio da agência de notícias do mesmo O Estado de S. Paulo, graças à sensibilidade, visão de futuro e generosidade de Rodrigo Mesquita, sobrinho do “doutor Júlio”, que avalizou minha utopia de quatro décadas atrás.
Outro espaço valioso foi me foi aberto pela direção do Yahoo e, em particular, por Michel Blanco, autor do convite para que eu escrevesse estas cartas amazônicas no portal da empresa. A coluna chegou agora ao seu fim, cumprindo sua missão, à maneira do grande poeta e compositor maranhense João do Vale: “A minha flor/ o vento pode levar,/ mas o meu perfume/ fica morando no ar”.
Fiz um registro sobre esse fim, no dia 30, agradecendo a todos que me leram, com apoios e críticas, endossos e repúdios. Assim se faz a democracia. Assim se propaga o perfume da verdade pelo ar. Se lá a flor morreu, outras surgirão no jardim da história.
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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)