Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nem mais nem menos, diferentes

As histórias em quadrinhos têm uma especificidade? Seriam elas “menos nobres” que a literatura em sua fruição e consumação? Se elas são diferentes da literatura, como se dá essa diferença?

A diferença básica entre os quadrinhos e outras mídias reside em que nas HQs a imagem é um recurso necessário e, muitas vezes, insuficiente, quando sozinha, para atingir seu fim, pois depende, na maior parte do tempo, do texto para sua compreensão.

Esse binômio texto X imagem atua – recorrendo à gestalt, ramo da psicologia que tem como escopo a percepção –como uma soma de fatores em que, à mera soma das partes, predomina um elemento que ultrapassa essa adição: a gestaltqualitat, que é, afinal, o resultado que chamamos quadrinhos. E, tal como o rum Bacardi, nem texto ou imagem predominam, porém, combinam.

Se considerarmos os quadrinhos como gênero, cartum, charge, caricatura e tirinha serão “espécies”. Vejamos as próprias diferenças entre essas “espécies”: o cartum é, amiúde, um desenho com ou sem texto que, por sua abrangência de temas, tem mais duração e longevidade do que a charge, por exemplo. O primeiro dedica-se às relações humanas, costumes e atemporalidades. O segundo tem vida mais curta, pois depende de um certo conhecimento prévio – quase sempre, político-ideológico – para sua leitura, que são informações “datadas” da realidade.

Nos primórdios

Ambos são críticos: o cartum é como se fosse mil-anos-a-dez, e a charge, dez-anos-a-mil. A tirinha é um caso à parte, em que, frequentemente, se vale do personagem – um tipo de humor que recorre ao bordão; uma narrativa em que já se sabe de antemão o fim possível. Porém, felizmente, não é sempre assim. A caricatura pode, afinal, deixar de lado sua virulência e resultar num cartum-charge.

Já que me referi à criticidade que essas espécies trazem consigo, obrigatoriamente devemos fazer uma pergunta: seriam todos eles críticos de um status-quo? Em que medida e alcance? Podem mexer com estruturas e ser, por isso mesmo, “revolucionários”?

Para Freud, Bergson, Hobbes e outros, a resposta é sim. O humor tanto pode despertar quanto alienar. Por exemplo: rir do “que se espera” (o bordão) é altamente alienante; e muito mais alienante se se produz um humor cujos personagens são as minorias da sociedade: alcoólatras, homossexuais, nordestinos, habitantes dos guetos. Por outro lado, rir do poder e de estruturas inesperadas pode ser altamente engajado.

Mesmo os quadrinhos seriam mais engajados se tivessem personagens com raízes em nossa terra. Não apenas isso, fossem narrados do “nosso jeito”. Sabemos, outrossim, bem mais sobre o far-west que sobre os bandeirantes ou nossa própria história.

Sabemos que imagens engraçadas provocam reações. Imagine, por exemplo, uma caricatura de Maomé. Lembremo-nos também do jornal Pasquim e sua tarefa contestatória e, por que não?, revolucionária. Não nos ensinou a rir do poder da ditadura civil-militar?

Onde estão esses cartunistas, agora? Por que não nos mostram que o rei está nu? A charge de esquerda tem de se estagnar e cooptar com o poder quando alcança o topo? Afinal, mesmos nos primórdios de nossos quadrinhos, Ângelo Agostini, incansável lutador pela causa republicana e abolicionista, mantém duro ataque ao Estado republicano após a debacle da monarquia.

******

Alexandre Albuquerque é cartunista